Fala pessoal, todo mundo bem? Espero que sim, porque o tema de hoje é bacana demais, tanto pela frequência com a qual nos deparamos com a asma, quanto pela atualização constante que o GINA, a “Enciclopédia” da Asma no meio médico, nos traz, anualmente. E vem comigo que tem até um “bate-bola” sobre Covid-19 no paciente asmático, no final! E aí, pronto pra descobrir o que mudou no GINA 2021?
Asma é uma doença de vias aéreas, especialmente brônquios médios e pequenos (poupa alvéolos), caracterizada por hiper reatividade brônquica, excesso de produção de muco e espessamento/inflamação da parede dessas vias. E aqui temos um detalhe essencial: como doença de caráter inflamatório, todo esse processo é variável, ou seja, após exposições mais ou menos específicas, o paciente pode apresentar piora de sintomas, caracterizando as exacerbações, que são as chamadas crises de asma, além de manter um estado basal, que também é flutuante em intensidade de sintomas e de comprometimento obstrutivo de via aérea.
Esse comprometimento é dito obstrutivo porque com estímulos para contração da musculatura lisa peribrônquica, com o muco abundante e com as paredes mais espessas, as vias aéreas passam a ter muita resistência ao fluxo aéreo.
Como a inspiração é um momento ativo da respiração e a expiração, em condições normais, é passiva, é justamente a expiração do ar a grande prejudicada em caso de obstrução, visto que não há, a princípio, uma “força motriz” para jogar o ar para fora, como a contração diafragmática na fase inspiratória.
E uma vez entendida essa “base” (que não mudou) fica fácil compreender o diagnóstico da asma, suas manifestações e, por tabela, entender o que mudou no GINA 2021.
Os principais sintomas que devem motivar suspeição clínica são tosse seca, intolerância ao exercício, dispneia, dor torácica, sibilância, podendo apresentar desconforto respiratório e dessaturação durante crises. Agora, bora aplicar o que já vimos!
Em espirometria, avaliamos a expiração, o grande “alvo da obstrução”, de algumas formas, mas as duas mais relevantes são (de modo simplifiado):
Tenho certeza que você já domina esse conceito:
A relação entre VEF1/CVF (Índice de Tiffeneau), quando < 0,70 pós broncodilatação, define um distúrbio ventilatório como obstrutivo.
Por que? A obstrução não prejudica a expiração, que é passiva? É só pensar que a exalação do ar depende basicamente do recolhimento elástico do pulmão, da caixa torácica e do diafragma, todos distendidos, pelas forças da inspiração. Esse recolhimento seria mais intenso no 1º segundo (toda estrutura distendida de forma máxima), o que gera alta velocidade de fluxo inicial, no 1ºs (VEF1), se tudo estivesse normal.
Como temos obstrução, é a velocidade que seria gerada por esse pico de força elástica (“tudo bastante tenso e distendido, querendo voltar ao basal”) a grande impactada e, por ter resistência ao fluxo, a CVF também é afetada. Porém, ainda que o paciente consiga exalar por mais tempo (por isso aumento do Texp), essa dificuldade resulta em um volume total exalado menor que o normal, mas com queda proporcional menor que a queda do VEF1. Por isso VEF1/CVF cai, sacou?
E o detalhe final do diagnóstico: a obstrução de fluxo na asma é variável ! Isso é definidor de asma e também não mudou!
Para caracterizar essa variação, também chamada de “reversibilidade”, temos que observar aumento de VEF1 pós Broncodilatação, em relação à pré-broncodilatação.
Cuidado! Paciente asmático tem uma doença inflamatória! Se você faz o exame desse indivíduo em momento de baixa atividade de doença, a prova de função pulmonar pode ser normal. Aí, lançamos mão de medicações que induzem broncoespasmo, na chamada prova broncodilatadora, como metacolina, que deve fazer o VEF1 cair ≥ 20 %, para fecharmos diagnóstico, por exemplo.
Beleza, diagnóstico feito, vamos tratar.
Antes de te apresentar o que mudou especificamente no GINA 2021, preciso te dizer o que foi uma quebra de paradigma recente, já presente no GINA 2019.
Desde 2019, recomenda-se que todo paciente com asma receba corticoide inalatório de alguma maneira. Isso está relacionado a resultados de estudos com uso de apenas Beta2-agonista de curta duração (SABA), naqueles pacientes com sintomas esporádicos (1-2 vezes ao mês), que mostraram piores desfechos, maior risco de exacerbações e maior uso de corticoide oral (com suas consequências), mesmo nos casos mais leves.
Assim, até para pacientes que usam medicação sob demanda, nos ≥ 12 anos, recomenda-se uso de Corticoide inalatório mesmo nas aplicações para alívio de sintomas, associado a Beta2-agonista de longa duração, nos pacientes que só usam sob demanda. Esse era o conceito básico até 2020, válido para o famoso “Bud-form”, pois é a combinação CI + LABA usada nos estudos.
E o tratamento de resgate para todos, de forma geral, seria CI + LABA.
Só revisando o que também foi proposto em 2020, cada step é indicado, no momento de início do tratamento, da seguinte maneira:
Aqui uma primeira atualização no GINA 2021: há duas “vias possíveis” para resgate em ≥ 12 anos:
Percebeu? O objetivo é não deixar o paciente sem CI, pelo menos em alguma das modalidades (alívio ou manutenção), do tratamento.
Com essas duas vias, outra mudança, nos parâmetros de quando começar cada Step:
Pelo GINA 2021:
Podemos sumarizar essa alteração do GINA 2021 como tendo sido feita uma condensação de Step 1 e 2 nos casos em que se usa Bud-form e foi deixado mais clara a distinção entre esses mesmos Steps quando usado o resgate CI + SABA!
Lembra que te disse da mudança no Step 5?
Para pacientes que persistem com sintomas apesar de CI – LABA em altas doses, já no acompanhamento com especialista, foi proposto pelo GINA 2021 que:
A indicação de imunobiológicos também foi atualizada, mas acho que é um tema específico demais, beleza?
Outras atualizações que também têm algum efeito prático são as definições de asma leve e severa. A primeira é atualmente conceituada como aquela controlada por uso de baixas doses de corticoide inalatório. Mas por depender de tratamento por alguns meses, pelas mudanças atuais nos próprios Steps, e por confusão dos próprios médicos e pacientes, que não raro usam o termo descrevendo uma asma com poucos sintomas, está prevista uma revisão do conceito este ano, pelo GINA.
A asma severa foi definida como aquela que permanece sem controle mesmo com altas doses de CI + LABA, retirando o vínculo entre asma severa e um Step específico. E faz sentido, concorda? Já vimos que estes sofrem mudanças frequentemente, então abre margem para mais confusão.
Novamente, não podemos deixar de ofertar CI de alguma maneira e a medicação de alívio é aqui é o SABA (embora possa ser considerado uso de CI + LABA , o bud – form, especialmente se já usado como manutenção, a partir de Step 3).
Só como última observação antes do esquema, sobre o uso de LABA em < 12 anos, há algum receio sobre taquifilaxia e diminuição do efeito de SABA em crises asmáticas a longo prazo, por isso tende-se a evitar o Beta-2 de longa, embora não seja, de forma alguma, contraindicado.
Dessa forma, teremos:
A maneira de iniciar cada Step nessa faixa etária ficou igual a dos ≥ 12 anos que usam SABA no lugar do LABA nos resgates.
O diagnóstico é mais difícil nessa população, principalmente porque crianças com <6 anos não conseguem fazer espirometria. Mas pode ser feito sim! O diagnóstico será mais pela clínica, com atenção maior ao número de episódios de sibilância num contexto fora de infecções virais, duração dessas sibilâncias por mais de 10 dias, histórico pessoal e familiar de asma e outras doenças relacionadas à atopia.
Nessa faixa etária, não usamos LABA e temos apenas 4 etapas. O Step 1 é atribuído àquelas crianças que têm sibilos predominantemente relacionados a infecções virais ou sintomas muito raros, não necessitando de terapia de manutenção. É como se ainda tivéssemos alguma dúvida sobre o benefício nesse paciente e estivéssemos tentando entender o padrão de sibilância de alguém que até o momento, sibila predominantemente durante infecções. Nos demais passos, já temos o CI como base do tratamento. A medicação de resgate aqui é apenas o SABA.
UFA! Agora, falando de um modo geral, para todas as idades, vale ressaltar que o GINA 2021 reafirma que a quantidade de asmáticos que precisa de CI em altas doses é baixa e que devemos insistir sempre em pontos críticos para o controle da asma, antes de simplesmente aumentarmos a dose de corticoide inalatório.
Antes de progredir Steps, 4 perguntas IMPORTANTÍSSIMAS:
Por fim, antes do assunto COVID-19, uma atualização técnica: para realização de espirometria, recomenda-se a suspensão dos medicamentos de uso crônico da seguinte maneira:
Agora, um “jogo rápido” sobre COVID-19:
Ficou com dúvida sobre como avaliar o controle da asma? Isso não mudou, dá aquela revisada rápida aqui:
Fim da linha, pessoal! Espero que tenham revivido algumas lembranças sobre asma e, ao mesmo tempo, ganhado algo a mais sobre atualizações nesse assunto, além de aprender um pouco sobre o GINA 2021.
Se não tinha o que procurava aqui, dá uma olhada em outros textos sobre Emergências Médicas no nosso e-Book O que você precisa saber antes de dar plantão em um lugar novo. Caso você queira estar completamente preparado para lidar com a Sala de Emergência, temos uma outra dica que pode te interessar. No nosso curso PSMedway, através de aulas teóricas, interativas e simulações realísticas, ensinamos como conduzir as patologias mais graves dentro do departamento de emergência! Pra cima!
E se você é um dos que vai prestar prova de residência no fim de 2022, tenho mais uma dica para você: estamos com tudo pronto para a Masterclass deste ano! Na Masterclass, o maior evento de Mentoria em residência médica do Brasil, você vai aprender o caminho para chegar aos 80% e ser aprovado em todas as provas de residência que você prestar. E a edição 2022 está cheia de novidades! Entre os dias 17 e 23/01, além de 3 aulas grátis, você vai ter plantões de dúvidas com o time de mentores da Medway e até a oportunidade de testar a Medway Mentoria gratuitamente! Faça já sua inscrição na Masterclass 2022 aqui!
Aquele abraço, valeu!
Mineiro de Uberlândia, nascido em 1995, formado pela Universidade Federal de Uberlândia e residente de Clínica Médica no Hospital de Clínicas da USP de Ribeirão Preto.