Enxaqueca na gravidez: tudo que você precisa saber

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E aí, galera, tranquilo? Hoje vamos mergulhar no mundo maravilhoso da obstetrícia e entender um pouco melhor sobre a enxaqueca na gravidez. Enxaqueca é uma condição extremamente frequente em mulheres, especialmente durante o menacme.

Em gestantes, as cefaléias compreendem a queixa neurológica mais frequente, o que merece atenção especial principalmente além das 20 semanas de gestação, considerando a possibilidade de um diagnóstico potencialmente grave e prejudicial à mãe e ao bebê: a pré-eclâmpsia. Bora saber mais sobre a enxaqueca na gravidez?

Diagnóstico da enxaqueca na gravidez: Excluindo a pré-eclâmpsia

Então moçada, diante de uma paciente com enxaqueca na gravidez admitida em um pronto socorro, algumas informações importantes são imprescindíveis para iniciarmos a abordagem adequada. As perguntas iniciais que devem ser priorizadas são:

ATENÇÃO!
⭕Idade gestacional > 20 semanas?
⭕Pressão arterial elevada?
⭕Sintomas visuais associados, como escotomas, visão borrada, fotofobia?
⭕Alterações do nível de consciência, como confusão mental?
⭕Dor epigástrica?

Se você respondeu sim a pelo menos uma dessas perguntas, alerta vermelho! Você DEVE excluir a possibilidade de pré-eclâmpsia. Essa paciente tem prioridade no atendimento e triagem: pacientes com diagnóstico de pré-eclâmpsia e sintomas de gravidade devem receber prontamente a administração de sulfato de magnésio (MgSO4) com o intuito de estabilizar a membrana neuronal, sendo o objetivo primordial evitar o desenvolvimento da eclâmpsia – condição grave que está associada a elevada morbimortalidade materna e neonatal mas que é potencialmente evitável

Dentre as características fundamentais da cefaléia presentes em gestantes com o diagnóstico de pré-eclâmpsia, temos uma dor de intensidade moderada a intensa, constante, pulsátil e holo-cefálica (ou seja, difusa pela cabeça). Sintomas frequentemente associados incluem sintomas visuais (escotomas, amaurose, fotofobia, visão borrada), alterações do nível de consciência e dor epigástrica. 

Ainda não compreendemos completamente qual a razão fisiopatológica da cefaléia no contexto da pré-eclâmpsia. Muito provavelmente, de acordo com os últimos estudos publicados na área, é secundária à isquemia cerebral transitória por vasoconstrição e alta pressão de perfusão, ambas devido a elevação pressórica; além de possíveis micro hemorragias, edema cerebral e, em casos mais graves, encefalopatia (mais conhecida como PRES: “Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome”). 

A avaliação complementar dessas pacientes incluem duas etapas: uma abordagem inicial rápida com a fita urinária para identificação imediata qualitativa de proteína na urina e outra mais elaborada, através dos seguintes exames laboratoriais: hemograma completo, coagulograma, enzimas hepáticas, creatinina, desidrogenase láctica (LDH) e bilirrubinas total e frações, além da quantificação de proteína urinária.

Avaliação da vitalidade fetal também é obrigatória: começamos com a cardiotocografia e, se disponível no serviço, a ultrassonografia com doppler colorido é útil para investigação de insuficiência placentária e sofrimento fetal.

Importante destacar aqui que a avaliação inicial clínica com alta suspeição para pré-eclâmpsia é imediata e pretende selecionar aquelas pacientes que necessitem de abordagem imediata para prevenção de eclâmpsia.

O diagnóstico de pré-eclâmpsia com sinais de gravidade (antiga pré-eclâmpsia grave) na maioria das vezes é clínico e feito antes da liberação dos exames laboratoriais, autorizando a adoção imediata do MgSO4 como medida protetiva para a eclâmpsia.

Se liga nos critérios de gravidade: (pelo menos 1 presente = PE com sinais de gravidade)
? PAS ≥160 mmHg ou PAD ≥110 mmHg
? Sintomas de disfunção do SNC (cefaléia e alterações visuais)
? Sintomas de distensão da cápsula hepática (epigastralgia / dor no quadrante superior direito)
? Creatinina sérica >1,1 mg/dl
? Oligúria (< 500 ml/24h)
? Plaquetopenia (<100.000 mm3)
? Sinal de lesão hepatocelular (AST/TGO >70UI/l)
? Edema pulmonar, cianose, AVC ou coagulopatia

Reparem que os 3 primeiros critérios são essencialmente clínicos. Muitas vezes eles são suficientes e nos autorizam a partir para uma conduta emergencial, sacou?

Portanto, sem pestanejar aqui: diagnosticou pré-eclâmpsia com sinais de gravidade? Sulfato nela, galera! Sem medo de ser feliz! 

Excluiu pré-eclâmpsia? Agora sim: vamos para os diagnósticos diferenciais.  Considerando os outros diagnósticos de enxaqueca na gravidez, dentre os principais temos a migrânea com ou sem aura (responsável por 50% dos casos), a cefaléia tensional e a cefaléia em salvas

Migrânea com ou sem aura

A migrânea compreende uma das principais causas de enxaqueca na gravidez não relacionada à gestação em si. Geralmente a dor é:

  • unilateral;
  • pulsátil.

E pode ter sintomas associados como:

  • náuseas;
  • vômitos;
  • fotofobia;
  • fonofobia.

É frequente estar relacionada a fatores desencadeantes, que em geral são muito individuais e variam com cada paciente. Especificamente as pacientes que apresentam aura, os sintomas são similares porém são precedidos por sinais neurológicos premonitórios, como escotomas e alucinações visuais. 

Um estudo de 2009 estimou uma prevalência de 2% de enxaqueca durante o primeiro trimestre da gestação, sendo que muitas mulheres já possuíam essa condição previamente. Por outro lado, o diagnóstico de migrânea (principalmente a com aura) apenas durante o período gravídico é menos frequente, compreendendo aproximadamente 2% das mulheres.

Dentre as mulheres com diagnóstico prévio de enxaqueca, a maioria (60-70%) relata melhora dos sintomas durante a gestação – provavelmente devido a flutuação dos níveis estrogênicos ao longo da gravidez. Principalmente as migrâneas relacionadas a menstruação (veja um post específico sobre Enxaqueca Menstrual aqui) e enxaquecas sem aura possuem maior probabilidade de cursar com sintomas mais amenos ou até remissão deles.

Um estudo de 2003 encontrou uma taxa de 34% de recorrência de sintomas durante a primeira semana e 55% até o primeiro mês pós parto em mulheres que já apresentavam diagnóstico de migrânea antes da gravidez. 

O período pós parto (até 6 semanas após o nascimento), no entanto, compreende uma mudança hormonal abrupta, especialmente se não há amamentação exclusiva (uma vez que a prolactina inibiria a produção estrogênica pelos ovários, ao suprimir o eixo hipotálamo-hipófise – a tal “contracepção natural”). Nessa fase, é muito mais frequente a ocorrência de piora de sintomas prévios migranosos ou até mesmo recorrência

A presença de migrânea durante a gestação tem sido associada como um fator de risco para o desenvolvimento de algumas patologias mais graves. Dados recentes da literatura apresentam maior risco para desenvolvimento de pré-eclâmpsia, hipertensão gestacional, doenças cardiovasculares , trombose venosa profunda e acidente vascular encefálico. Pacientes que experimentam aura possuem um risco ainda maior de desenvolvimento de acidentes vasculares encefálicos durante a gravidez ou no período pós parto. 

Cefaléia tensional

Dentre as causas de dor de cabeça na gravidez, a cefaléia tensional é uma condição também frequente.  As características típicas incluem:

  • dor em peso ou pressão de forma difusa pela cabeça;
  • fotofobia;
  • fonofobia;
  • sensibilidade a cheiros específicos;
  • sintomas gastrointestinais podem estar presentes. 

A intensidade da dor é:

  • flutuante, podendo melhorar ou piorar durante a crise.

Com relação a sua fisiopatologia, a cefaléia tensional se relaciona a tensão e dor muscular da região principalmente cervical. Fatores desencadeantes como distúrbios emocionais e estresse constante são importantes no desenvolvimento dessa condição. Ao contrário do que vimos com relação à migrânea, não há padrões de melhora ou piora durante o ciclo gravídico-puerperal. A maioria das mulheres relata manutenção do padrão de frequência e intensidade das crises de enxaqueca. 

Cefaléia em salvas

A cefaléia em salvas é uma condição mais rara mas que também pode ocorrer durante a gestação e pós parto, porém não parece se relacionar com as mudanças hormonais específicas desses períodos – vale lembrar que são extremamente mais comuns no sexo masculino. Se caracteriza por uma dor:

  • unilateral, localizada na região temporal.

Está associada a sintomas como:

  • lacrimejamento ocular;
  • rinorréia ipsilateral, de forte intensidade e curta duração. 

Diagnósticos diferenciais da enxaqueca na gravidez

Outras patologias muito menos comuns incluem:

  • trombose venosa central;
  • acidente vascular encefálico;
  • dissecção da carótida;
  • aneurisma;
  • hipertensão intracraniana;
  • tumores;
  • apoplexia pituitária
  • infecções (meningite, sinusite, encefalite). 

Tais condições possuem gravidade e morbimortalidade importantes, e devem ser consideradas quando há a presença de sinais de alarme. Na presença destes sinais, a avaliação pormenorizada por um neurologista bem capacitado é indicada.  Veja a seguir os principais:

Sintomas neurológicos
Cefaléia em gestantes imunossuprimidas
Febre
Início súbito de cefaléia de forte intensidade
Mudança na característica da dor 
Dor que provoca despertar
Ausência de melhora com medicação sintomática
História de trauma

Tratamento da enxaqueca na gravidez

Galera, identificamos e diagnosticamos nossa gestante. Agora temos que saber como manejar, especialmente no PS! Partiu?

Pré-eclâmpsia

O manejo da pré-eclâmpsia pode ser resumido a uma palavra: o famoso sulfato de magnésio. Porém, não vamos nos estender muito sobre ele aqui nesse post. Em breve vamos ter uma publicação específica sobre esse tema, com tudo que você – obstetra ou não – precisa saber para brilhar no atendimento da pré-eclâmpsia. 

É importante entender que o sulfato de magnésio é a primeira conduta que deve ser realizada, pois pode prevenir a evolução para eclâmpsia. Após instalado e feita a estabilização clínica materna necessária, podemos partir para medicação sintomática da cefaléia. Paracetamol seria a primeira opção de analgésico, com bom perfil de segurança em gestantes. 

Migrânea: terapia sintomática

A primeira opção aqui é o velho e bom analgésico: paracetamol e dipirona caem bem aqui. Caso não resolvam, podemos associar a eles a metoclopramida ou até mesmo a codeína. Cafeína também pode ser uma boa opção de associação, com bom perfil de segurança na gestação com dose máxima recomendada de 200 mg/dia

A segunda linha de tratamento inclui a aspirina e os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). Os últimos têm sido considerados seguros em tratamentos com duração inferior a 48 horas e entre 20 e 30 semanas. Após as 30 semanas, o uso de AINEs associa-se a um risco de fechamento do ducto arterial. Alguns estudos com evidência fraca e limitada encontraram um possível risco de aborto e má formação congênita quando AINEs são utilizados no primeiro trimestre. 

Outras possíveis opções são os opióides e os triptanos. O uso de opióides deve ser manejado de forma responsável, por curto período de tempo, com a dose mínima possível e restrito a casos refratários ao tratamento preferencial. Além disso, alguns estudos demonstraram possível associação dos opióides com má formação do SNC fetal, portanto aconselha-se a não utilização durante o primeiro trimestre. Com relação aos triptanos, a sumatriptana 50-100mg via oral é uma opção aceitável. Os triptanos não foram associados a nenhum risco de má formação, porém uma revisão sistemática de 2015 demonstrou um possível risco aumentado de aborto. 

Migrânea: terapia profilática

Com relação a terapia profilática: algumas gestantes com histórico prévio de migrânea na gravidez e crises frequentes podem ter indicação de medicações de uso contínuo e preventivas. Veja aqui possíveis opções:

Beta bloqueadores (propranolol, metoprolol ou atenolol)
?Não teratogênicos
?Associados a baixo peso ao nascimento, distúrbios respiratórios, hiperbilirrubinemia e hipoglicemia neonatal se uso prolongado

Bloqueadores de canal de cálcio
? Verapamil seria a principal escolha, considerando seu bom perfil de segurança na gestação.

Venlafaxina ou antidepressivos tricíclicos
? Seguros na gestação, seriam a opção de escolha em pacientes com algum componente depressivo concomitante

Cefaléia tensional

A primeira linha de tratamento da cefaléia tensional compreende analgésicos comuns, como paracetamol e dipirona. O uso de anti-inflamatórios não esteroidais pode ser utilizado, desde que por curto período de tempo e é contra-indicado a partir de 30 semanas. Terapias não farmacológicas são recomendadas, como aplicação de calor ou gelo locais, massagem, técnicas de relaxamento e terapia comportamental.

Cefaléia em salvas

O tratamento abortivo da crise aqui é oxigênio nasal a 100%. Se dor refratária, podemos partir para outras alternativas, como o sumatriptano subcutâneo ou intranasal (ambas apresentações disponíveis no Brasil) e a lidocaína tópica no nariz afetado. Ergotamina seria uma opção em não gestantes, uma vez que é proscrita durante a gravidez. Com relação a profilaxia, as melhores opções na gestação são o verapamil (240mg/dia, 8/8hs) e a prednisona (20mg 4/4hs por 2 dias).

Pra dominar a enxaqueca na gravidez no pronto socorro!

Moçada, enxaqueca na gravidez é tema frequente em pronto atendimentos por aí. Não dá pra vacilar no diagnóstico e manejo com as nossas pacientes! Um bom médico clínico generalista ou emergencista deve ser capaz de identificar a possibilidade de uma pré-eclâmpsia com sinais de gravidade diante de uma queixa de cefaléia na gestação, e até iniciar o tratamento caso o obstetra não esteja disponível rapidamente. Fica esperto! 

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MaíraMachado

Maíra Machado

Paulista, nascida em São Paulo em 1990. Formada pela Universidade Estadual de Campinas em 2016, com residência em Ginecologia e Obstetrícia pela mesma instituição, conclusão em 2021. Participante de um programa de pesquisa em Uroginecologia na Universidade do Michigan, nos Estados Unidos. Persistência e acreditar que é possível foram essenciais!