Rotina DHEG chegou ao fim: entenda a pré-eclâmpsia e outras síndromes

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É meu amigo, você que estava acostumado a pedir a famosa “rotina DHEG” vai precisar se familiarizar com a nova nomenclatura, que nem é tão nova assim!

Desde o ano 2000 e mais recentemente em 2014, os grupos que estudam hipertensão gestacional ao redor do mundo têm se esforçado para padronizar a nomenclatura mundial. Com isso, as síndromes hipertensivas na gestação foram divididas em 5 categorias: hipertensão arterial crônica, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, hipertensão arterial crônica sobreposta por pré-eclâmpsia e hipertensão do jaleco branco. 

Nesse artigo vamos explicar prioritariamente sobre a pré-eclâmpsia, porém vamos pincelar um pouco das outras síndromes hipertensivas a título de diagnóstico diferencial. Afinal de contas, ao se deparar com uma gestante com crise hipertensiva no PS, você sempre deve pensar em todas essas etiologias.

Saiba mais sobre a pré-eclâmpsia e outras síndromes hipertensivas na gestação.
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Pré-eclâmpsia: muito mais do que a hipertensão da gestação

A pré-eclâmpsia pode ser considerada uma doença sistêmica caracterizada por um estado inflamatório. A sua fisiopatologia ainda é objeto de muito estudo, mas já sabemos que ela envolve um erro no processo de invasão trofoblástica. Isso leva a um déficit no suprimento sanguíneo do útero, cursando com liberação de fatores anti-angiogênicos prejudiciais à saúde do endotélio. 

Com isso, ocorrem alterações vasculares (vasoespasmo), hematológicas (plaquetopenia e hemólise), hepáticas, renais e repercussões fetais, aumentando o risco de restrição de crescimento, descolamento de placenta, dentre outros. Embora a etiologia não seja completamente conhecida, sabe-se que algumas pacientes têm mais risco de desenvolver a doença: aquelas com antecedente pessoal de hipertensão, trombofilia, idade materna avançada, diabetes ou gemelaridade.

A importância de reconhecer esses grupos de mais vulneráveis é justamente fazer o diagnóstico precoce e também pensar em medidas preventivas que podem reduzir o risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia. A reposição de cálcio (no caso de pacientes com déficit nutricional) e a utilização de AAS têm benefício comprovado no processo de invasão trofoblástica e na permeabilidade vascular. 

Além do nome, mais alguma coisa mudou? 

Sabemos que a definição clássica de pré-eclâmpsia envolve o aumento dos níveis pressóricos acima de 20 semanas associado a proteinúria (300 mg em urina de 24 horas ou a relação proteinúria/creatininúria ≥ 0,3 mg/dL). No entanto, também devemos estar atentos à pré-eclâmpsia sem proteinúria! Um conceito mais atual que engloba a presença de disfunções orgânicas que podem acompanhar a elevação pressórica, sem necessariamente cursar com proteína na urina. 

Essas disfunções são caracterizadas por plaquetopenia (< 100.000/mm³), disfunção hepática (aumento de duas vezes ou mais do valor de normalidade das transaminases), disfunção renal (creatinina com valor maior que 1,1 mg/dl na ausência de outra doença renal), edema pulmonar e sinais clínicos que indiquem lesões em órgãos-alvos como: cefaléia, escotomas ou epigastralgia. 

Para realizar essa triagem laboratorial na suspeita de pré-eclâmpsia, lançamos mão da antiga “rotina DHEG”, que denominamos carinhosamente de rotina pré-eclâmpsia. Justo né? Ela inclui hemograma para avaliação de plaquetas, creatinina, TGO, TGP LDH, Bilirrubina total e frações e a relação proteína/creatinina na urina.

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Diferenciando diagnósticos: as 5 caras da pressão alta na gestação

A hipertensão arterial crônica é caracterizada pela presença de hipertensão (≥ 140 e/ou 90 mmHg) já relatada previamente à gestação ou identificada antes de 20 semanas de gestação. Já a pré-eclâmpsia, como conversamos anteriormente, é caracterizada pela elevação dos níveis pressóricos a partir da 20ª semana de gestação, associada à proteinúria ou ao comprometimento sistêmico com disfunção de órgãos-alvo (trombocitopenia, disfunção hepática, insuficiência renal, edema agudo de pulmão, iminência de eclâmpsia ou eclâmpsia). Além disso, sinais de comprometimento placentário, como restrição de crescimento fetal e/ou alterações da Dopplervelocimetria, também devem chamar atenção para este diagnóstico. 

A pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão arterial crônica, por sua vez, se dá quando a paciente já hipertensa necessita de associação de anti-hipertensivos ou incremento das doses terapêuticas iniciais. Outros sinais incluem a piora da proteinúria e/ou a presença de disfunção de órgãos-alvo.

Assim como nas pacientes não-grávidas, a hipertensão do jaleco branco é caracterizada por elevação dos níveis pressóricos apenas em ambiente hospitalar. Inclusive, você pode relembrar um pouco das síndromes hipertensivas em não gestantes aqui

Por fim, a hipertensão gestacional se caracteriza por elevação dos níveis  pressóricos após a 20ª semana de gestação, porém sem proteinúria ou manifestação de outros sinais/sintomas relacionados à pré-eclâmpsia.

Agora que você já sabe o diagnóstico diferencial das síndromes hipertensivas na gestação, vamos aprender a conduzir esses casos.

Conduzindo a gestante hipertensa: como será minha prescrição

A decisão de prescrição de anti-hipertensivos deve considerar os riscos e benefícios para a mãe e o feto, tomando-se como fatores principais o valor da PA e a presença ou não de sinais e sintomas relacionados aos níveis pressóricos.

Todos os anti-hipertensivos atravessam a barreira placentária, mas alguns são seguros para o feto. Os simpatolíticos de ação central α2-agonistas (a famosa metildopa) e os bloqueadores de canal de cálcio são considerados primeira escolha na gestação devido ao seu perfil de segurança. Por outro lado, são contraindicados na gestação os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA, por ex. captopril), os bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRAII, por ex. losartana) e os inibidores diretos da renina, pois se associam a anormalidades no desenvolvimento fetal a partir do segundo trimestre de gestação. Assim, as pacientes devem ser orientadas a suspender e/ou substituir a medicação no primeiro trimestre, assim que recebem o diagnóstico da gestação.

Quanto à prevenção já conversamos, né? Todas as pacientes de risco devem receber AAS e suplementação de cálcio, considerando que são medidas que resultam na redução de risco para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia.

Ao considerarmos o grau de imprevisibilidade da evolução, todas as pacientes no espectro das síndromes hipertensivas da gestação devem ser triadas para o desenvolvimento de pré-eclâmpsia através do rastreio laboratorial de proteinúria e disfunção de órgãos-alvo, além de muita atenção a sinais e sintomas como ganho de peso significativo, cefaleia, epigastralgia, alterações visuais, alterações de Dopplervelocimetria e descompensação pressórica.

A importância do diagnóstico da pré-eclâmpsia

Embora seja uma das maiores causas de mortalidade materna e mereça completa atenção do médico obstetra, o diagnóstico de pré-eclâmpsia não deve levar nem a equipe e nem a paciente ao desespero.

Nos casos em que o controle de PA encontra-se adequado, a paciente não apresenta sinais ou sintomas de descompensação, os exames laboratoriais encontram-se estáveis e o feto apresenta boa vitalidade fetal, a gestação pode ser levada até o termo. 

Já nos casos de deterioração clínica, descontrole pressórico ou prejuízo da vitalidade fetal, a resolução da gestação deve ser avaliada, sempre considerando e equilibrando o ônus da prematuridade. 

Por isso, ao se fazer o diagnóstico de pré-eclâmpsia, deve-se manter um controle próximo, buscando o controle pressórico adequado e a identificação precoce de sinais de deterioração sistêmica ou repercussões fetais.

Sulfato de Magnésio: a estrela do tratamento da pré-eclâmpsia grave

Se você acredita que a resolução da gestação é a solução dos problemas relacionados à pré-eclâmpsia, você está enganado. O sulfato de magnésio é a medida de maior impacto na redução de mortalidade dessas gestantes.  

O sulfato de magnésio é a principal medida terapêutica para a prevenção da eclâmpsia, a evolução da pré-eclâmpsia grave que cursa com convulsões maternas e que possui altas taxas de mortalidade.

Segundo a ONU, o sulfato é citado como uma das intervenções essenciais baseadas em evidências que, juntas, poderiam eliminar as mortes prematuras de 358.000 mulheres e 7,6 milhões de crianças em países de baixa e média renda. 

Vale ressaltar que, embora o obstetra não deva hesitar em utilizar a mediação, seu manejo deve ser intensivo, com monitorização contínua, quantificação do débito urinário, jejum e avaliação periódica de reflexos e frequência respiratória. 

Sistematizando o atendimento da eclâmpsia na emergência

Em casos de iminência de eclâmpsia ou eclâmpsia devemos realizar um atendimento sequencial na emergência com passos que podem ser organizados de forma mnemônica como: A, B, C, D, E, F e G, priorizando o uso do sulfato de magnésio: 

A (vias Aéreas e Ajuda): Primeira coisa: chamar Ajuda! O segundo passo é posicionar a gestante em decúbito lateral esquerdo. Outra ferramenta que pode te ajudar é a cânula de Guedel para assegurar a permeabilidade das vias aéreas. 

B (ventilação-Breathing): devemos realizar suporte de oxigênio a fim de melhorar a oxigenação cerebral.

C (Circulação): É importante garantirmos dois acessos venosos calibrosos para administração do sulfato de magnésio e se necessário outras medicações concomitantes. 

D (Danos): Com a finalidade de prevenir danos clínicos e obstétricos secundários à convulsão, devemos iniciar o  MAIS PRECOCEMENTE POSSÍVEL o sulfato de magnésio.

E (Exames): Essa é a hora do exame físico, em que avaliamos os sinais vitais, sendo que na presença de hipertensão arterial grave (PAS ≥160mmHg e PAD ≥110mmHg) deve-se fazer uso de anti-hipertensivos de ação rápida, como é o caso da hidralazina. Ainda nesse passo devemos realizar um exame físico breve e completo, buscando excluir as complicações mais graves que podem ocorrer concomitante a um episódio de eclâmpsia, como é o caso de um descolamento prematuro de placenta. Por isso sempre se atente ao tônus uterino e presença de sangramento vaginal! 

F (Feto): A avaliação do feto deve ser realizada logo após o manejo agudo materno e começa pela avaliação do batimento cardíaco fetal! É comum a presença de bradicardias transitórias por conta da hipóxia materna. Mas cuidado! Caso a bradicardia persista podemos estar diante de um comprometimento da vitalidade fetal sendo necessária avaliação de resolução da gestação. 

G (interromper a Gestação): A eclâmpsia é uma indicação de resolução da gestação e ponto! Mas calma! É aqui que mora o perigo. Caso a paciente apresente estabilidade clínica e a vitalidade fetal esteja preservada, a via de parto é OBSTÉTRICA! Fechado? 

Bom, agora você já sabe como resolver os casos graves, a sequência de atendimento e as medidas mais importantes. Mas e a condução das gestações em pacientes controladas?

O mnemônico que a gente ama!
A chamar Ajuda e garantir a permeabilidade das vias Aéreas
B Breathing – fornecer suporte de O2
C Circulação – garantir 2 acessos venosos calibrosos
D Evitar Danos! Para isso, iniciar o sulfato de magnésio precocemente.
E Avaliar o Exame físico:PA aumentada = anti-hipertensivosAtenção ao tônus uterino pelo risco de DPP
FAvaliar a vitalidade Fetal: auscultar BCF
G (interromper a Gestação):Interromper a Gestação: após controle pressórico, planejar a resolução da gestação pela via obstétrca

Quando e como resolver a gestação?

De forma simplificada, em gestações abaixo de 24 semanas em que há importante comprometimento materno (por exemplo, na eclâmpsia), recomenda-se a interrupção da gestação, uma vez que a viabilidade neonatal é baixa e cercada de diversas complicações e sequelas.

Já nos casos entre 24 e 34 semanas há uma tendência a evitar a resolução a não ser que a paciente apresente complicações graves, como síndrome HELLP, eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta, alterações laboratoriais progressivas ou alterações na vitalidade fetal.

A partir de 34 semanas, embora ainda exista um risco relacionado à prematuridade, a tendência é muito mais para a resolução do que a manutenção da gestação na vigência de qualquer descompensação mais grave, principalmente considerando a alta mortalidade materna.

Quanto à via de parto, devemos avaliar a vitalidade fetal, as condições maternas e as condições do colo uterino. A via vaginal é a preferencial, mas muitas vezes frente a um colo uterino desfavorável nos vemos inseguros em aguardar, sendo a cesárea justificável.

E o puerpério?

Todas as pacientes que apresentaram pré-eclâmpsia na gestação devem ser orientadas quanto aos riscos de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e renais. Assim como o risco aumentado de desenvolvimento de pré-eclâmpsia em uma próxima gestação.  Além disso, devemos lembrar da possibilidade de deterioração clínica no puerpério, sendo prudente uma reavaliação em 7 dias, manutenção do controle pressórico e atenção aos sinais e sintomas apresentados pela paciente.

É isso!

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AmandaLino

Amanda Lino

Paulista, nascida em 1995. Formada em Medicina pela Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela mesma instituição. Fellowship de pós-graduação em Reprodução Humana na Unifesp. Experiência na assistência médica com Reprodução Humana e Saúde Assistida. O sucesso é uma decisão.