Hipotermia acidental em adultos: tudo que você deve saber

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Fala, galera! A hipotermia acidental em adultos é uma queda perigosa da temperatura corporal. A compreensão do diagnóstico e do manejo clínico é fundamental para todos que atuam no departamento de emergência ou no atendimento pré-hospitalar. 

E aí, ficou interessado em saber mais sobre o tema? Então, continue a leitura com a gente e tenha tudo na ponta da língua! Bora lá! 

O que é hipotermia?

A hipotermia é definida como temperatura central abaixo de 35°C, sendo classificada como leve, moderada e grave.  A temperatura corporal depende do equilíbrio entre a produção e a perda de calor. 

O calor é gerado pelo metabolismo celular e perdido pela pele e pulmões por meio dos processos de evaporação, radiação, condução, convecção. Este último corresponde ao mecanismo mais comum de hipotermia acidental, em que ocorre perda direta de calor para correntes convectivas (ar, água, etc.). 

O corpo humano utiliza mecanismos autônomos para regular a perda e ganho de calor em resposta às condições ambientais, porém esse mecanismo é limitado e depende de adaptações comportamentais  como roupas e abrigos.  

Em resposta ao frio, o hipotálamo estimula a produção de calor por meio de tremores e aumento da atividade da tireoide, catecolaminas e suprarrenais. A vasoconstrição reduz o fluxo sanguíneo para os tecidos periféricos, como consequência minimiza a perda de calor.  

A função neurológica tende a piorar mesmo em temperatura central de 35°C, a partir de 32 °C, outras funções também tendem a declinar, tais como: metabolismo, ventilação e débito cardíaco e o calafrio torna-se menos eficaz.

Causas da hipotermia acidental em adultos

A hipotermia acidental, embora associada a locais com inverno rigoroso,  pode ocorrer em  diferentes regiões no mundo com climas mais amenos. 

Além da exposição ao frio como ao vento, ambientes gelados, umidade excessiva, outros fatores podem desencadear a hipotermia, sendo eles: 

  • transfusão maciça;
  • diálise;
  • cirurgia;
  • choque distributivo (sepse, pancreatite);
  • choque metabólico (hipoglicemia, deficiência de tiamina, desnutrição, hipoglicemia, cetoacidose diabética);
  • choque toxicológico (etanol, sedativos, opioides, antidepressivos cíclicos, toxicidade do lítio);
  • choque neurológico (esclerose múltipla, doença de Parkinson, lesão da medula espinal).

Diagnóstico da hipotermia acidental em adultos

O diagnóstico de hipotermia acidental é feito com base em uma história ou outra evidência de exposição ambiental ao frio e uma temperatura central abaixo de 35°C.

Medição da temperatura central

Sonda esofágica no terço inferior do esôfago (aproximadamente 24 cm abaixo da laringe) seria o ideal em pacientes intubados. Método mais preciso para rastrear o processo de  reaquecimento. Em caso de hipotermia leve, pode-se avaliar a temperatura da bexiga ou retal. 

Apresentação clínica

A medição da temperatura central pode ser imprecisa, assim, o reconhecimento de cada estágio da hipotermia quanto aos aspectos clínicos é mais importante que os limites exatos de cada classificação (leve, moderada e grave). 

Alguns pacientes podem apresentar estresse por frio, porém não são considerados hipotérmicos. Geralmente, esses pacientes apresentam calafrios com estado mental normal e temperatura central em torno de  35 a 37°C. (tabela 1)

Tabela 1.  Classificação da hipotermia e aspectos clínico

HipotermiaAspectos clínicos
Leve32 a 35°C Paciente alerta, não é capaz de cuidar de si, o nível de consciência pode estar alterado.  Taquipneia, taquicardia, hiperventilação, ataxia, disartria.  Tremor presente
Moderada28 a 32°CPaciente com nível de consciência alterado ( consciente ou inconsciente). Redução da frequência cardíaca, do débito cardíaco. Podem ocorrer fibrilação atrial, bradicardia juncional e outras arritmias.  Com ou sem tremor 
Grave/profunda <28°C Inconsciente. Pode levar a edema pulmonar, oligúria, arreflexia, coma, hipotensão, bradicardia, arritmias ventriculares e assistolia Não tremendo

Obs: O nível de consciência deve ser consistente com a temperatura central. Se ocorrer discrepância, considerar diagnóstico diferencial. Na presença de arreflexia ou paralisia, descartar lesão medular. 

Exame físico

Durante o exame físico tome CUIDADO COM MANUSEIO BRUSCO!. Em situação de hipotermia o coração torna-se sensível ao movimento, podendo precipitar arritmias. Não empurre o paciente durante o exame físico ou durante a realização de procedimentos. 

Deve-se também verificar a presença de lesões locais causadas pelo frio, presença de trauma. Oximetria: preferência nas orelhas ou na testa por serem menos influenciadas pela diminuição da temperatura corporal.

Exames laboratoriais

A coleta de exames é crucial para identificar potenciais complicações: 

  • acidose lática; 
  • rabdomiólise;
  • hemorragias;
  • infecção. 

Em caso de hipotermia moderada à grave, solicitar: 

  • glicemia capilar;
  • eletrocardiograma;
  • eletrólitos (incluindo cálcio);
  • função renal;
  • hemograma;
  • coagulograma;
  • lactato;
  • fibrinogênio;
  • lipase;
  • creatinina quinase;
  • gasometria arterial;
  • RX- tórax. 

Se a causa da hipotermia não foi estabelecida, pode-se solicitar também TSH, T4 livre, hemoculturas e exames toxicológicos. A hipotermia pode levar à inibição das enzimas da cascata de coagulação. O tratamento consiste no aquecimento. A administração de fatores de coagulação é ineficaz.

Hipotermia acidental em adultos no eletrocardiograma

A hipotermia provoca redução dos impulsos nos canais de potássio, consequentemente,  ocorrem prolongamentos dos intervalos RR, PR, QRS e QT. 

Pode acontecer, também, elevação do ponto J (ou Osborn), aproximadamente proporcional ao grau da hipotermia, mais proeminente nas derivações precordiais V2 a V5. No entanto, as ondas J não são patognomônicas. Veja o eletrocardiograma abaixo!

Diagnóstico diferencial 

É importante lembrar que outras condições podem causar hipotermia: 

  • hipotireoidismo;
  • insuficiência adrenal;
  • sepse;
  • doença neuromuscular;
  • desnutrição;
  • deficiência de tiamina;
  • hipoglicemia;
  • uso de bebida alcoólica;
  • intoxicação por monóxido de carbono;
  • medicamentos que prejudicam os mecanismos de termorregulação (ansiolíticos, antidepressivos, antipsicóticos e opióides).  

Manejo da hipotermia acidental em adultos

Os indivíduos devem ser retirados do ambiente frio na posição horizontal sempre que possível. No ambiente intra-hospitalar, realizam-se os famosos ABCDE e MOV. Como já mencionado, evite o manuseio brusco. 

Nesse momento, é importante a  prevenção de mais perda de calor e início do reaquecimento adequado ao grau de hipotermia; e tratamento das complicações. O reaquecimento do tronco deve ser realizado antes das extremidades para diminuir o risco de hipotensão e acidemia associadas à vasodilatação arterial após a queda.

Essas ações são realizadas com o objetivo de minimizar a pós-queda da temperatura central com hipotensão e acidemia associadas à vasodilatação arterial. 

1. Reaquecimento: devemos começar o mais rápido possível, dividindo em três técnicas que dependerão do graus de hipotermia.

  • Reaquecimento externo passivo:  remover as roupas molhadas e aquecer o paciente com  cobertores ou outros tipos de isolamento. A redução resultante na perda de calor combina com a produção de calor intrínseca do paciente para produzir o reaquecimento.
  • Reaquecimento externo ativo: se o paciente não responder ao aquecimento passivo, se a taxa de reaquecimento cair abaixo de 0,5°C/hora ou se arritmias, pode-se utilizar a combinação de cobertores quentes, almofadas de aquecimento, calor radiante, banhos quentes ou ar quente forçado é aplicada diretamente na pele do paciente. 
  • Reaquecimento interno ativo do núcleo: estratégia mais agressiva. Pode ser usado isoladamente ou associado ao reaquecimento externo ativo em pacientes com hipotermia grave (<28°C) ou pacientes com hipotermia moderada que não respondem a medidas menos agressivas. O reaquecimento endovascular é o método de escolha para pacientes que não necessitam de suporte de vida extracorpóreo (ECLS), ou se o ECLS não estiver disponível. Se disponível, o ECLS deve ser usado para aquecer pacientes em parada cardíaca ou com instabilidade cardiovascular e em casos especiais, como pacientes com membros congelados impedindo acesso IV ou IO. Outros métodos: irrigação peritoneal e pleural com fluido isotônico aquecido.
  • Reaquecimento do sangue extracorpóreo: consiste em diferentes técnicas reaquecimento venovenoso, hemodiálise, reaquecimento arteriovenoso contínuo (CAVR), circulação extracorpórea (CEC) e oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). 

2. Arritmias: às arritmias ventriculares, além do suporte padrão, também é necessário o reaquecimento do paciente. A bradicardia pode ser decorrente da hipotermia grave como resposta fisiológica. A fibrilação e o flutter atrial não causam uma resposta ventricular rápida e geralmente se resolvem espontaneamente com o reaquecimento. 

3. Hipotensão: decorrente da desidratação grave e mudanças de fluídos.  Infundir cristaloides aquecidos. O acesso intraósseo (IO) é mais fácil em pacientes frios e vasoconstritos.  Preferir cateter venoso femoral para evitar arritmia. Em caso de hipotensão refratária, iniciar noradrenalina.  

4. Hipercalemia: reflete lise celular devido à hemólise. 

Paciente hipotérmico e sem pulso? 

  • Iniciar medidas para (RCP);
  • Nessa situação, existem algumas particularidades;
  • O pulso deve ser verificado por um minuto, na ausência inicia-se a RCP;
  • Se o local não é seguro, pode atrasar a RCP em até 10 minutos;
  • Pupilas fixas e dilatadas e rigidez de mandíbula não são contraindicações para iniciar a RCP;
  • Não iniciar se região torácica congelada impedindo a compressão e lesões letais; 
  • O POCUS pode ser utilizado para identificação de contrações cardíacas; 

A RCP pode ser realizada em um tempo mais prolongado, pois a hipotermia apresenta efeitos neuroprotetores.  

É isso!

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