Manejo do paciente com Hemorragia Digestiva Alta

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Agora que você já viu a definição de HDA, suas causas e sintomas, chegou a hora de saber mais sobre o manejo do paciente com Hemorragia Digestiva Alta. Nós vamos dividir a condução do paciente nos seguintes tópicos:

1 – Manejo pré-endoscópico
2 – Manejo endoscópico
}3 – Manejo pós-endoscópico

Deu pra perceber que a endoscopia será realizada em algum momento, né?! Mas o que vamos fazer para nosso paciente antes dela?

Antes de tudo, devemos sempre nos lembrar de que estamos diante de um paciente, e não de uma hemorragia digestiva. Mas como assim? 

O nosso paciente pode ter algumas complicações, sinais de instabilidade que podem ser fatais e que devem ser tratadas ou estabilizadas antes mesmo da endoscopia. Dessa forma, sempre lembrem-se de avaliar vias aéreas e o status hemodinâmico do paciente. 

Imaginem a cena: o paciente deu entrada com queixa de hematêmese em casa há 2 horas e se lembra das fezes mais escurecidas há 5 dias. Quando foi sair do carro para entrar no hospital apresentou um episódio de síncope; durante a sua avaliação, apresentou hematêmese volumosa e agora está obnubilado, com extremidades frias, com 130 de frequência cardíaca. 

Diante de um caso como este, não podemos nos esquecer de proteger essa via aérea e iniciar a expansão volêmica!

A expansão volêmica com cristaloide tem como alvo uma PAS > 100 mmHg e FC < 100 bpm. Caso o paciente não apresente boa resposta, podemos considerar transfusão de hemocomponentes e uso de drogas vasoativas.

Em relação à terapia mais específica quanto à etiologia (lembrem-se de que já temos essa direção após nossa história clínica e exame físico), podemos dividir em:

  • HDA não varicosa (que tem como principal causa a úlcera péptica): 
    • Inibidor de Bomba de Próton (IBP), como o omeprazol na dose de 80 mg EV, seguido de 40 mg de 12/12h por, pelo menos, 3 dias.
  • HDA varicosa: 
    • Não podemos nos esquecer dos análogos da somatostatina: Octreotide ou Terlipressina 2 a 4 mg EV em bolus.
    • Antibiótico para profilaxia de PBE: ceftriaxona 1 g/dia EV ou norfloxacino 400 mg 12/12h via oral (se possível) ou ciprofloxacino 500 mg 12/12h EV (cuidado para o alto índice de resistência bacteriana para este último)

Além disso tudo, ainda antes da endoscopia, é muito importante estratificar o risco desse paciente quanto à necessidade de endoscopia, ao ressangramento e até à mortalidade. Para isto, as duas classificações mais utilizadas são a de Glasgow Blatchford e Rockall.

O escore de Glasgow Blatchford é extremamente sensível para a indicação de endoscopia durante a internação. Isso significa que para indicarmos uma endoscopia ambulatorial (e não internado), o paciente tem que estar MUUUUITO bem. Os parâmetros utilizados nesse escore são apenas clínicos e laboratoriais: pressão sistólica, frequência cardíaca, comorbidades, nível de hemoglobina e ureia.

Fonte: Recio-Ramírez, J. M., et. al.: The predictive capacity of the Glasgow-Blatchford score for the risk stratification of upper gastrointestinal bleeding in an emergency department

Quando tivermos valores entre 0 e 1, temos segurança de realizar endoscopia ambulatorial. Mas quando tivermos valores maiores ou iguais a 2, a endoscopia deve ser realizada em até 24h.

Outro escore que utilizamos é o de Rockall. Esse é o principal escore prognóstico para pacientes com HDA. O que dificulta sua aplicabilidade é o fato dele apresentar tanto parâmetros clínicos quanto endoscópicos. Se liga:

Fonte: Frías-Ordoñez, J. S., et. al.: VALIDATION OF THE ROCKALL SCORE IN UPPER GASTROINTESTINAL TRACT BLEEDING IN A COLOMBIAN TERTIARY HOSPITAL

A interpretação desse escore é a seguinte: pacientes com ≤ 2 pontos são classificados como baixo risco; entre 3 e 4 pontos, risco intermediário e 5 a 11 pontos são pacientes de alto risco de mortalidade.

Agora aqui vai uma parte do tema que costuma ser bastante cobrado nas provas: classificação de Forrest. Pra você que está nessa maratona, atenção nessa parte. Essa classificação avalia úlceras com sangramento ativo ou com potencial de sangramento. Não confundam com a classificação de Sakita, que avalia grau de atividade da úlcera

Fonte: Acervo Medway

Pessoal, um detalhe importante aqui, que inclusive já foi cobrado na prova de R+ de Cirurgia e pode ser cobrado nas provas nesses próximos anos. Em relação à taxa de ressangramento, existe uma certa disparidade entre os livros de cirurgia e os de endoscopia. Os livros de cirurgia trazem exatamente o que é descrito na tabela acima, caso não haja tratamento endoscópico. Já os livros de endoscopia trazem que a chance de ressangramento das úlceras Forrest IIA (~43%) é ligeiramente maior que as úlceras Forrest IB (~30%).

E o que é feito na endoscopia? 

Antes de saber o que é feito, é importante saber quando é feito o tratamento endoscópico. No contexto de úlceras gástricas, tratamos as úlceras com alto risco de ressangramento: Forrest IA, IB e IIA.

Em relação à modalidade de tratamento das úlceras, existem opções de terapia química (adrenalina, cianoacrilato, hemospray), mecânicas (clipes hemostáticos, ligaduras elásticas) e termocoagulação (argônio ou pinça bipolar). Os guidelines atuais recomendam o tratamento duplo: químico associado ao térmico ou mecânico. 

Um detalhe que é importante saber é que não se recomenda o tratamento químico isolado. Além disso, não há evidência de que a terapia combinada seja superior ao mecânico ou térmico isoladamente. Para não confundir nas provas, marque sempre a opção que trouxer a terapia combinada. Um detalhe é que para as úlceras de fundo gástrico, a recomendação é de utilizar injeção com cianoacrilato. 

Já em relação às modalidades de tratamento das hemorragias varicosas, a principal modalidade é a ligadura elástica. 

E o que fazer quando a terapia endoscópica falha?

 Muita calma aqui, pessoal. Não vamos desesperar. No contexto de HDA varicosa (não se aplica para HDA por úlcera péptica), temos uma opção de tratamento “ponte” com o balão de Sengstaken-Blakemore. Muito importante guardar que é uma terapia temporária que vai ser utilizada por 12-24h, devido às altas taxas de complicações (as mais descritas são necrose de aleta nasal e broncoaspiração).

Já no contexto de HDA não varicosa, os guidelines atuais recomendam a realização de uma segunda endoscopia na tentativa de controlar o sangramento. 

“Ah, entendi! Ressangrou é igual nova endoscopia?!” 

Muita calma! Caso o paciente apresente recidiva do sangramento e esteja instável hemodinamicamente apesar das medidas de ressuscitação, ele não vai aguentar a nova endoscopia. Para estes casos (e para os pacientes que apresentem recidiva após a segunda endoscopia) a recomendação é de realizar uma angioembolização. 

“Mas e a cirurgia?” 

A cirurgia, atualmente, é a última opção. Se liga:

Fonte: ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding 

Pessoal, acho que vimos quaaaaase tudo sobre hemorragia digestiva alta e sobre o manejo desse paciente tanto no pronto socorro quanto na endoscopia e depois da endoscopia. Então não podemos dar bobeira, ok?! A HDA é uma queixa comum nos prontos atendimentos e é uma emergência médica. Deve ser diagnosticada e tratada o mais rápido possível.

Depois disso, temos certeza de que, se aparecer um caso de HDA no plantão de vocês, o paciente estará bem cuidado! Caso você ainda não tenha 100% de domínio do seu plantão de pronto atendimento, dá uma olhada no nosso Guia de Prescrições. Com certeza vai te ajudar a atuar em qualquer sala de emergência!

Bons estudos e bora pra cima!  

REFERÊNCIAS

  1. ACG Clinical Guideline: Upper Gastrointestinal and Ulcer Bleeding 
  2. Sabiston Textbook of Surgery 20th ed – The Biological Basis of Modern Surgical Practice
  3. Devagi Rao S.; General Surgical Emergencies
  4. Approach to acute upper gastrointestinal bleeding in adults – UpToDate.
  5. Recio-Ramírez, J. M., et. al.: The predictive capacity of the Glasgow-Blatchford score for the risk stratification of upper gastrointestinal bleeding in an emergency department
  6. Frías-Ordoñez, J. S., et. al.: VALIDATION OF THE ROCKALL SCORE IN UPPER GASTROINTESTINAL TRACT BLEEDING IN A COLOMBIAN TERTIARY HOSPITAL

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