Queimadura química: um assunto quente

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A queimadura química é um tema muitas vezes negligenciado na faculdade por não ser tão comum (corresponde a cerca de 4-14% das admissões por queimaduras em geral nos serviços de emergência). Mas imagina se, logo no seu plantão, você se deparar com um paciente vítima de uma queimadura química: vai falar para ele que você não sabe o que fazer e que ele tem que voltar no próximo plantão? Claro que não! 

Que tal entender este assunto de uma vez por todas? Continue a leitura que a gente te explica!

Quando a queimadura é química?

Falamos em queimadura química quando substâncias cáusticas entram em contato com a pele, olhos ou quando são ingeridas. Essas substâncias causam lesões por mecanismo de corrosão, podendo ser decorrentes de ácidos (normalmente com pH < 3 devido à necrose por coagulação – trombose de vasos superficiais da mucosa) ou por álcalis (normalmente com pH > 11 devido à necrose por liquefação – dissolução de proteínas, destruição do colágeno, saponificação de gorduras e trombose transmural).

Em relação à epidemiologia:

  • Como já dito, corresponde a cerca de 4-14% das admissões por queimaduras em geral;
  • Quando ingeridos, costumam ser por tentativa de suicídio ou então por ingestão acidental (aqui atenção especial com crianças, as quais tem uma incidência maior).

Sinais e sintomas de uma queimadura química

O grau de acometimento da queimadura química depende de diversos fatores, tais como: 

  • pH;
  • concentração;
  • duração do contato;
  • volume presente;
  • o local acometido.

Quando há contato com a pele

Os sinais e sintomas das queimaduras químicas de pele são muito semelhantes aos de uma queimadura de 1º grau, ou seja, dor e eritema local (semelhante a quando você vai na praia e esquece de passar protetor solar, sabe? Mas, nesse caso, a queimadura é localizada – no local em que teve contato com a substância cáustica). Bolhas são pouco frequentes.

imagem ilustrativa de queimadura química
Imagem de uma queimadura química na mão.

Quando há ingestão de substâncias cáusticas

Quando as substâncias cáusticas são ingeridas, o paciente pode apresentar lesões orais e esofágicas, odinofagia, sialorreia, vômitos, hematêmese e disfagia. Sinais de irritação peritoneal podem indicar perfuração do TGI. Dor retroesternal ou dorsal importante pode indicar perfuração esofágica com pneumomediastino. Além disso, por consequência de lesão em laringe, o paciente pode apresentar rouquidão, disfonia e dispneia.

Quando há lesão ocular

O paciente pode se apresentar com diminuição da acuidade visual, dor ocular moderada a intensa, hiperemia conjuntival e fotofobia.

imagem ilustrativa de queimadura química
Imagem de uma hiperemia ocular causada por queimadura química.

Quais substâncias podem causar uma queimadura química?

Algumas das substâncias cáusticas que têm o potencial de causar queimadura química seriam:

Álcalis

  • Hidróxido de sódio (Produtos para limpar canos e remover pinturas);
  • Hidróxido de amônia (Produtos de limpeza, fertilizantes e tintas de cabelo);
  • Hidróxido de cálcio (Cimento, gesso e argamassa);
  • Hipoclorito de sódio/cálcio (Limpador de piscina).

Ácidos

  • Ácido acético (Alisadores de cabelo);
  • Ácido clorídrico (Limpador de vaso sanitário, removedor de manchas de ferrugem e limpador de piscina);
  • Ácido hidrosulfúrico (Removedor de ferrugem e gravura de vidro);
  • Ácido fosfórico (Removedor de ferrugem e limpador de vaso sanitário);
  • Ácido sulfúrico (Limpador de vaso sanitário).

Calma! Não estamos na aula de química, meu amigo… apenas citei estas substâncias para você perceber que diversos produtos, inclusive domésticos, contêm estes álcalis ou ácidos capazes de causar uma queimadura química. Por isso, atente-se a esses produtos (e não deixe ao alcance de crianças).

imagem ilustrativa de queimadura química
Imagem apenas para reforçar que os produtos de limpeza devem ser deixados longe do alcance das crianças!

E o tratamento? Como manejar os casos de queimadura química

Contato com a pele

Primeira coisa: interromper o processo de lesão/dano!

  • Remova as roupas contaminadas;
  • Elimine as partículas;
  • Água, muita água! Aqui uma atenção especial: Enxágue a região com soro fisiológico (ou água mesmo), em abundância, pouco aquecido e sob baixas pressões (calma, vou te explicar – aquecido para prevenir hipotermia e sob baixas pressões para evitar que o composto se espalhe para áreas não afetadas). Por quanto tempo? Pelo menos 30 minutos (no caso de álcalis irrigar por ainda mais tempo – 2 horas) com o objetivo de deixar o pH da área próximo de 7, por consequência da diluição do componente pela irrigação.

Podemos lançar mão também de antídotos específicos para o agente causador da queimadura química em alguns casos.

Exemplos: 

  • Ácido fluorídrico: Gluconato de cálcio gel;
  • Ácido carbólico (Fenol): Polietilenoglicol (PEG).

Reitero que a conduta mais importante de todas na queimadura química é a irrigação com água/soro fisiológico! Não atrase a irrigação para fazer uso de algum antídoto parceiro! 

Ingestão de substâncias cáusticas

Antes de falarmos sobre o que temos que fazer, vamos amarrar aqui o que não devemos fazer:

  • Lavagem gástrica / Carvão ativado / Uso de eméticos: Podem causar nova lesão pela passagem da substância;
  • Agentes neutralizantes: A reação libera calor e pode aumentar a lesão;
  • Corticoides: Sem evidência científica.

Beleza, mas então o que fazer?

  • Se sinais de abdome agudo perfurativo ou mediastinite perfurativa: Tratamento cirúrgico de urgência;
  • Se ingesta de pequena quantidade (< 200ml) de produtos com pH próximo de 7: Teste de aceitação de dieta (Iniciar com líquidos, progredir para gelatina e após alimentos pastosos e sólidos – alta se boa aceitação, sem sintomas / EDA se sintomas como disfagia, odinofagia ou dor retroesternal);
  • Demais casos: Analgésicos, antieméticos se necessário e Inibidor de Bomba de Prótons (IBP) endovenosos. Além disso, fazer uma Endoscopia Digestiva Alta (EDA), para avaliar e classificar a lesão (Zargar), precocemente (entre 3 a 48h após ingestão, de preferência dentro das primeiras 24h);
  • E o antibiótico? Indicado apenas se suspeita de perfuração.
Classificação de ZargarLesão vista na EDA
Grau 0Mucosa normal
Grau IHiperemia / Edema de mucosa
Grau IIaUlcerações superficiais e exsudatos não circunferenciais
Grau IIbUlcerações e exsudatos circunferenciais
Grau IIIaNecrose focal
Grau IIIbNecrose extensa
Atenção: A partir do grau IIb o risco de estenose é alto

Lesão ocular

A conduta prioritária aqui é a irrigação abundante com soro fisiológico (ou água) com manobra de eversão da pálpebra. Nosso objetivo aqui é fazer com que o pH fique entre 6,5 e 7,5 (normalmente demora de 30 a 60 minutos).

Se o paciente, mesmo após a lavagem ocular, permanecer com sintomas visuais ou lesões no olho deve ser encaminhado para avaliação oftalmológica.

Ufa! Terminamos

Agora não tem mais motivo para se desesperar no plantão quando chegar um paciente com uma queimadura química, você já sabe o que deve ser feito. 

Lembrando que, se surgir qualquer dúvida, não hesite em perguntar! Deixe seu comentário e estaremos prontos para ajudar você!

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BrunoBlaas

Bruno Blaas

Gaúcho, de Pelotas, nascido em 1997 e graduado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Residente de Clínica Médica na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Filho de um médico e de uma professora, compartilha de ambas paixões: ser médico e ensinar.