Síndrome carcinoide: como fazer o reconhecimento e o manejo inicial

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Fala, pessoal! Tudo bem? O assunto de hoje é um tanto desafiador: a síndrome carcinoide. Você se sente preparado para reconhecer esta entidade que, apesar de pouco comum, é extremamente importante? O objetivo deste artigo é justamente te ajudar com isso, destacando as características clínicas da síndrome carcinoide, permitindo a suspeição clínica, e introduzindo os princípios gerais do diagnóstico e manejo da síndrome carcinoide.

O que é a síndrome carcinoide?

Vamos começar com o básico: síndrome carcinoide é o termo aplicado a uma constelação de sintomas mediados por vários fatores humorais secretados por alguns tumores neuroendócrinos (NETs) bem diferenciados do trato digestivo e dos pulmões, ou sítios primários raros, como rins ou ovários, que sintetizam, armazenam e liberam uma variedade de polipeptídeos, aminas biogênicas e prostaglandinas. De todas as neoplasias, tumores primários do intestino delgado com metástases hepáticas são os mais associados.

Mais de 40 substâncias secretadas foram identificadas em vários tumores NETs. Os mais proeminentes são serotonina, histamina, taquicininas, calicreína e prostaglandinas. Esses “produtos tumorais” são responsáveis pela síndrome carcinoide, mas a contribuição relativa de cada um ainda é incerta.

Quais os sinais e sintomas da síndrome carcinoide?

Rubor

O rubor episódico é a marca clínica da síndrome carcinoide e ocorre em 85% dos pacientes. O rubor típico começa repentinamente e dura de 30 segundos a 30 minutos. Envolve principalmente a face, o pescoço e a parte superior do tórax, que se tornam vermelhos a violáceos ou roxos, e está associado a uma leve sensação de queimação.

Na medida em que a doença progride, os episódios podem durar mais e o rubor pode ser mais difuso. A maioria dos episódios de rubor ocorre espontaneamente, mas podem ser provocados pela alimentação, ingestão de álcool, defecação e estresse emocional. Associadas ao rubor facial episódico, podem estar presentes teleangiectasias.

Diarreia

Diarreia secretora ocorre em 80% dos pacientes e é frequentemente o componente mais debilitante da síndrome. As fezes são tipicamente aquosas e não sanguinolentas e podem ser explosivas e acompanhadas de cólicas abdominais. As cólicas abdominais podem ser consequência de obstrução intestinal pelo tumor primário.

Broncoespasmo

Cerca de 10 a 20% dos pacientes com síndrome carcinoide apresentam sibilos e dispneia, muitas vezes durante episódios de rubor. A sibilância carcinoide não deve ser confundida com asma brônquica, pois o tratamento com beta-agonistas pode desencadear vasodilatação intensa e prolongada, piorando o rubor.

Lesões valvares cardíacas

A cardiopatia carcinoide é caracterizada por depósitos de tecido fibroso nas valvas cardíacas. As válvulas e o endocárdio do lado direito do coração são mais frequentemente afetados porque a inativação de substâncias humorais pelo pulmão protege as câmaras esquerdas. A doença valvar do lado esquerdo pode ser causada por shunt da direita para a esquerda (por exemplo, por meio de um forame oval patente) ou com altos níveis de substâncias vasoativas circulantes.

As manifestações clínicas da cardiopatia carcinoide são frequentemente sutis no início do curso da doença. Os sintomas de valvopatia do lado direito incluem fadiga, dispneia aos esforços, edema, ascite e eventual caquexia cardíaca.

Outros sinais e sintomas

Há uma série de outras manifestações associadas à síndrome carcinoide. O desvio de triptofano dietético para a síntese de grandes quantidades de serotonina pode muito raramente resultar no desenvolvimento de pelagra, manifestada por dermatite, glossite, estomatite angular e confusão mental.

A perda de massa muscular pode ocorrer como resultado de uma síntese protéica deficiente. Edema periorbitário, lacrimejamento, salivação, hipotensão, taquicardia e oligúria são outros componentes.

Sinais e sintomas decorrentes do crescimento tumoral

Além dos sintomas decorrentes da síndrome carcinoide, o paciente também pode apresentar manifestações do efeito de massa exercido pelo crescimento tumoral. Os NETs do intestino delgado podem causar dor abdominal, ocasionalmente levando à oclusão intestinal. Tumores metastáticos no fígado podem causar dor no quadrante superior direito, hepatomegalia e saciedade precoce.

Como investigar um paciente com suspeita de síndrome carcinoide?

As medições hormonais no sangue e/ou urina desempenham um papel importante na identificação e acompanhamento de pacientes com síndrome carcinoide.

O teste diagnóstico inicial para a síndrome carcinoide é a excreção urinária de 24 horas de 5-HIAA (ácido 5-hidroxi-indolacético), que é o produto final do metabolismo da serotonina. Este teste tem uma sensibilidade e especificidade de mais de 90% para a síndrome carcinoide. A sensibilidade é baixa em pacientes com NETs sem síndrome carcinoide. 

A medição de 5-HIAA no plasma é uma opção razoável, particularmente para pacientes que têm dificuldade em fornecer amostras de urina de 24 horas, embora seja menos disponível na prática.

Alguns NETs pancreáticos secretores (principalmente gastrinomas e VIPomas) podem estar associados a diarreia grave. Nesses casos, os testes de 5-HIAA podem ser negativos, mas os níveis séricos de gastrina e polipeptídeo vasointestinal (VIP) podem estar elevados, auxiliando no diagnóstico diferencial.

Como visto acima, a síndrome carcinoide está associada principalmente a tumores metastáticos que se originam no intestino delgado ou no cólon proximal. Logo, os estudos de imagem para localizar o tumor devem se concentrar no abdome e na pelve. Tomografia computadorizada, ressonância magnética e diagnóstico por imagem usando análogos de somatostatina radiomarcados (OctreoScan) ou gálio são as modalidades de imagem mais usadas para identificar esses tumores.

Atenção!

Resultados falso-positivos do 5-HIAA urinário podem ser induzidos pela ingestão de certos medicamentos e alimentos ricos em triptofano/serotonina.

Os principais alimentos contendo triptofano são: abacates, abacaxis, bananas, kiwis, ameixas, berinjelas, nozes, tomates, banana-da-terra e abóbora. Já alguns medicamentos implicados são: paracetamol, fenobarbital, nicotina e cafeína.

Esses alimentos e medicamentos devem ser evitados por três dias antes da coleta de urina.

Devo dosar a serotonina no sangue?

Via de regra,  a medição dos níveis de serotonina no sangue não é recomendada como teste diagnóstico para a síndrome carcinoide, pois as sensibilidades e especificidades dos testes não estão bem estabelecidas. Além disso, testes de serotonina falso-positivos podem ocorrer devido à liberação de serotonina plaquetária em amostras de sangue armazenadas, bem como pela ingestão de alimentos ricos em triptofano/serotonina.

Tratamento da síndrome carcinoide

Terapia análoga à somatostatina

A somatostatina é um peptídeo que inibe a secreção de uma ampla gama de hormônios. Os análogos da somatostatina, como octreotida e lanreotida, se ligam aos receptores da somatostatina nas células tumorais e são altamente eficazes na inibição da liberação de serotonina e outras substâncias vasoativas. Rubor e diarreia melhoram significativamente em mais de 80% dos pacientes com síndrome carcinoide.

Cirurgia hepática

A ressecção hepática é frequentemente considerada para o tratamento de metástases hepáticas na ausência de envolvimento hepático difuso, função hepática comprometida ou metástases extra-hepáticas disseminadas. A ressecção hepática também pode fornecer alívio de sintomas da síndrome carcinoide. A terapia com octreotide pré e intraoperatória é essencial para evitar crise carcinoide, que pode surgir da anestesia e/ou manipulação do tumor.

A crise carcinoide é uma forma grave da síndrome carcinoide com elevado risco de vida que resulta da liberação de uma grande quantidade de compostos biologicamente ativos do tumor no sangue, geralmente após manipulação (biópsia ou cirurgia) ou anestesia.

Casos refratários

Alguns pacientes podem não melhorar com a abordagem inicial e são bastante desafiadores. O telotristat, um inibidor oral da triptofano-hidroxilase, foi recentemente aprovado para controlar a diarreia associada à síndrome carcinoide. Outra opção para o controle dos sintomas refratários é o interferon alfa (IFNa), que pode exercer efeito antitumoral por meio da estimulação de células T. Agentes antidiarréicos, como loperamida, podem ser usados como medicação sintomática para o controle da diarréia refratária.

Atenção, Reflita, Fica a Dica

Resumindo o que foi dito até aqui, as manifestações mais comuns da síndrome carcinoide são alterações vasomotoras (rubor), hipermotilidade gastrintestinal (diarreia secretora), broncoespasmo e hipotensão. Esses sintomas são causados pela liberação de substâncias vasoativas, incluindo serotonina, histamina, bradicinina e prostaglandinas.

O diagnóstico de síndrome carcinoide geralmente é suspeitado pelas características clínicas e confirmado pela identificação do tumor primário, localização de lesões metastáticas e detecção de aumento da excreção urinária do subproduto do metabolismo da serotonina, como ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA). O manejo inicial consiste no uso de análogos da somatostatina, como octreotide.

Pronto, agora você já sabe como realizar o diagnóstico e o manejo inicial da síndrome carcinoide

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Hoje ficamos por aqui, pessoal! Até a próxima! 

Referências:

  1. Uptodate, Diagnosis of carcinoid syndrome and tumor localization. Disponível em: < https://www.uptodate.com/contents/search>. Acesso em mar. de 2022.
  2. Medscape, Malignant Carcinoid Syndrome. Disponível em: <https://emedicine.medscape.com/>. Acesso em mar. de 2022.
  3. Fauci, A. S. (2015). Harrison’s principles of internal medicine. McGraw-Hill Education.

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