Salve salve, pessoal, hoje vou falar diretamente com você! Isso mesmo, você: guerreiro(a) da porta, que atende todas as queixas, das leve as graves, e que tá acostumado a ficar cara a cara com a famosa queixa de dor de cabeça. Vamos abordar o tratamento da enxaqueca,ou migrânea, que é a forma mais comum de cefaleia primária.
Não iremos nos ater a características dessa cefaleia, mas sim ao modo como faremos o manejo abortivo e a profilaxia, quando indicada.
Primeiro, uma definição importante: as cefaleias são classificadas em basicamente dois tipos: (1) cefaleia primária – em que não há uma causa patológica subjacente, mas sim uma disfunção da modulação sensitiva do sistema nervoso central e (2) cefaleia secundária – na qual há uma doença provocando esse sintoma.
Sem dúvida, a primeira coisa que você deve fazer é excluir sinais de alarme que indiquem a possibilidade de cefaleia secundária. Por quê? Pois é uma verdadeira virada de jogo, de conduta, de tratamento.
Se você pensa em cefaleia secundária, fará uma neuroimagem e exames complementares focados para a sua suspeita e, após confirmação, o tratamento para a causa.
Então, não coma bola: antes de pensar em tratar, confirme que se trata de uma cefaleia primária. E se você observar com calma, verá que a cefaleia secundária dá algumas pistas.
Sinais de Alarme e Diagnósticos Diferenciais | ||
PISTA | Características | Principais Diferenciais |
Padrão | Piora progressiva / refratária ao tratamento / mudança no padrão prévio | Hemorragia Subdural, Hipertensão Intracraniana |
Início | Súbito/pico em segundos (thunderclap) | HSA, aneurisma, Hemorragia Intraparenquimatosa, Trombose Venosa Central, Dissecção cervical/carotídea |
Sinais Neurológicos | Papiledema Alteração de sensório | Lesão expansiva, hipertensão intracraniana, meningite Hemorragia Subaracnoide, AVC hemorrágico, dissecção cervical/carotídea, infecção de SNC, neoplasias |
Toxemia | Febre, emagrecimento, rash cutâneo, imunossupressão, neoplasia Piora com esforço/valsalva | Infecções oportunistas, meningite, encefalite, doenças autoimunes, neoplasias Vasoconstrição arterial reversível, HSA |
Age | Início após 40-50 anos | Arterite de células gigantes, neoplasia, glaucoma |
Neste momento, estamos considerando que você descartou sinais de alarme, que levariam imediatamente à solicitação de exame de neuroimagem e de investigação mais detalhada, através de outros exames complementares (ex: punção lombar), da queixa.
Se coloque em um cenário em que você fez a anamnese e exame físico detalhados, descartou sinais de alarme e, através das características, determinou que está diante de um quadro de enxaqueca.
O primeiro ponto relevante, que por vezes é esquecido, é que devemos iniciar o tratamento em um ambiente calmo, com o mínimo de ruídos e luminosidade, pois lembre-se: uma das características da enxaqueca é a presença de foto e fonofobia.
Além disso, é importante hidratar adequadamente o paciente, pois outra característica da enxaqueca é a presença de náusea e/ou vômitos, o que, por vezes, dependendo da gravidade do paciente, por levá-lo a um estado de desidratação.
Para entender a importância disso, (1) náusea e/ou vômito e (2) fotofobia e fonofobia constam nos critérios diagnósticos de enxaqueca da Classificação Internacional de Cefaleias (ICDHD-3). Então, espere isso e forneça o alívio adequado ao seu paciente.
E veja bem, ninguém gosta de ter dor de cabeça, ainda mais uma enxaqueca, e uma coisa que pode ajudar no tratamento da cefaleia é viajar! Sim: me diga se viajar não é sempre um santo remédio?
Ainda, te digo mais, no caso da enxaqueca é sempre bom viajar de TAP! E essa é uma forma que me faz lembrar das classes medicamentosas disponíveis para o tratamento abortivo da enxaqueca: Triptano, Analgésico/AINE e Plasil (Metoclopramida)!
Vamos destrinchar cada item, mas lembre-se deste macete para você não esquecer mais a abordagem aguda.
Dois pontos fundamentais no nosso tratamento abortivo são: (1) damos preferência a medicamentos parenterais, principalmente nos pacientes que apresentam náuseas e vômitos.
Isso reduz a eficácia da via oral e (2) nos casos de crise leve pode, inicialmente, tentar uma abordagem com analgésico e, em caso refratário, entrar com triptanos.
Mas veja: isso não é o comum, pois a crise de enxaqueca geralmente é acompanhada de intensidade moderada a forte. Então, o normal é entrarmos inicialmente já com triptano aos nossos pacientes. Ao final do texto, vamos deixar uma tabela com os medicamentos disponíveis no Brasil, suas apresentações e doses.
Os triptanos são agonistas dos receptores de serotonina 5HT1B e 5HT1D, gerando uma vasoconstrição craniana (reduzindo inflamação neurogênica) e bloqueando vias de dor do tronco encefálico.
São a grande droga no tratamento da enxaqueca, e possuem uma eficácia ainda maior quando administrada no início do episódio (ou no começo da aura).
Ainda, há evidências pobres sobre o assunto, mas os triptanos devem ser evitados nos casos de:
Os analgésicos simples (dipirona e paracetamol), bem como anti-inflamatórios não hormonais são eficazes no tratamento abortivo comprovados por diversos estudos clínicos randomizados.
Por fim, os bloqueadores de receptores de dopamina (metoclopramida, clorpromazina) são úteis como monoterapia da crise de enxaqueca.
A clorpromazina apresenta a grande desvantagem do risco de prolongamento do intervalo QT, e, portanto, necessita de monitorização com ECG dos nossos pacientes.
Já metoclopramida, além de não possuir essa desvantagem, apresenta o benefício de ser antiemético e auxiliar no manejo daqueles pacientes que se apresentam com queixa de náusea e vômito, sendo considerado, assim, medicamento de 1ª linha (daí o “TAP”).
Medicamento | Classe | Via de administração | Dose |
Dipirona | Analgésico | IV ou VO | 500-2.000mg |
Paracetamol | Analgésico | VO | 500-750mg |
Cetoprofeno | AINE | IV ou IM | 100mg |
Diclofenaco | AINE | IM | 75mg |
Cetorolaco | AINE | IVIM | 30-60mg30mg |
Naproxeno | AINE | VO | 500mg |
Sumatriptano(dose inicial pode ser repetida em 2h) | Triptanos | SublingualVOSpray nasal | 6-12mg50-200mg10-20mg |
Zolmitriptano | Triptanos | VO | 2,5-5mg |
Rizatriptano | Triptanos | VO | 5-10mg |
Naratriptano | Triptanos | VO | 2,5-5mg |
Dimenidrinato | Antiemético | VO | 30mg |
Metoclopramida | AntieméticoAgonista dopaminanérgico | VO, IV, IM | 10mg |
No intuito de prevenir a recidiva precoce após o uso da terapia padrão para abortar a crise, estudos têm mostrado que a dexametasona, na dose de 10-24mg IV, é eficaz nesse objetivo.
Veja bem: a dexametasona não possui qualquer efeito sobre a dor do paciente, contudo, reduz o risco de recorrência precoce. Deve ser administrada em dose única, pois o uso frequente aumenta o risco de toxicidade por glicocorticóides.
Um tratamento adjuvante, mas que ainda carece de estudos de maior evidência é o uso de lidocaína a 2% para bloqueio dos nervos occipitais maiores e menores. Devido ser uma terapia não tão difundida, não iremos adentrar nesta terapia.
Após a abordagem aguda de nosso paciente, é recomendado que seja feito o encaminhamento para atendimento especializado com neurologista e também avaliarmos a necessidade de instituir profilaxia contra futuros episódios de enxaqueca.
Não serão todos os pacientes que receberão esta abordagem. Em geral, indicamos para pacientes com mais que 4 episódios de enxaqueca no mês, episódios de enxaqueca com duração maior do que 12 horas, falhas ou contraindicações ao tratamento agudo.
Existem diversas medicações que podem ser utilizadas nessa modalidade de tratamento, e aqui, eu quero que você se atente ao molejo: todas são eficazes e boas, o que você deve saber e será o seu diferencial é usar o mecanismo de ação da droga para melhor adequar a estratégia ao seu paciente. Você entenderá. Dentre as medicações disponíveis para a profilaxia, temos:
Deixamos, aí em cima, para você um range de doses mínimas até as máximas que devem ser utilizadas. E a ideia é: comece com doses baixas e vá aumentando até o desaparecimento dos sintomas ou o surgimento de efeitos colaterais indesejáveis.
Não deu com uma? Mude a classe, mas veja: onde está a malícia na escolha? Aqui tá o ouro, pessoal! Você precisa individualizar a medicação, seu mecanismo de ação e efeitos colaterais ao seu paciente. Abaixo, deixarei uma tabela para você revisar sempre e melhor adequar o medicamento à realidade do seu paciente.
Histórico do paciente | Melhor uso |
Mulher com desejo de gestar | NÃO usar valproato devido efeito teratogênico |
Hipertensos não fumantes e ≤ 60a | Betabloqueadores |
Hipertensos fumantes OU > 60a | Verapamil (nestes pacientes, estudos tem mostrado que o uso de betabloqueadores como tratamento profilático de enxaqueca, está associado a maior taxa de acidente vascular cerebral e outros eventos cardiovasculares) |
Depressão ou transtorno de humor | Amitriptilina ou venlafaxina |
Epilepsia | Anticonvulsivantes (valproato ou topiramato) |
Insônia | Amitriptilina |
Obesidade | Topiramato (anticonvulsivante que tem uso off-label para tratamento de obesidade devido estudos que mostram redução de apetite e peso) |
A diferença principal entre a enxaqueca episódica e a crônica consiste na frequência dos episódios, sendo a crônica definida como 15 episódios ou mais de enxaqueca por mês, por mais de 3 meses.
Como em toda enxaqueca, a abordagem comportamental, bem como afastamento de fatores desencadeantes, deve ser realizada. Focaremos no tratamento medicamentoso.
Diferentemente da profilaxia de enxaqueca episódica, aqui, temos medicamentos bem definidos como de primeira linha para a profilaxia: propanolol, amitriptilina, topiramato e valproato. A dose e perfil de efeitos colaterais, bem como a boa adequação ao histórico do paciente, são os mesmos que comentamos acima.
Paraense, forjado em 1990. Residência em Clínica Médica pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Neto de professor que me transferiu o amor pelo magistério. Apaixonado pelo raciocínio clínico, por uma boa resenha, viagens e novas experiências. Siga no Instagram: @rodrigocfranco