Tratamento do lúpus: saiba tudo sobre o tema!

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Oi, pessoal! Chegamos ao último texto dessa série incrível que tivemos juntos sobre lúpus eritematoso sistêmico! No primeiro deles, falamos sobre sua definição, seus principais fatores de risco e sua prevalência. No segundo sobre as principais causas de LES e, no terceiro, sobre o quadro clínico. Hoje, vamos falar sobre o diagnóstico e tratamento do lúpus

Tenham em mente que o tratamento do LES é algo um tanto quanto específico. Não à toa existe toda uma especialidade que concentra não todos, mas, grande parte dos seus esforços dedicados à estudar essa condição: a Reumatologia. 

Assim sendo, não teremos, nesse texto, a pretensão de esgotar as possibilidades terapêuticas, farmacológicas ou não. Nosso objetivo será trazer luz às principais classes medicamentosas usadas no arsenal terapêutico do tratamento do lúpus, para que vocês comecem a ter intimidade com elas e saibam se orientar inicialmente nesse mundo, combinado? 

Dito isso…

Como fazemos o diagnóstico de LES?

O fator antinuclear no contexto das colagenoses

O fator antinuclear (“FAN para íntimos” ou “ANA”), é o exame laboratorial mais emblemático da Reumatologia! São anticorpos antinucleares detectados por imunofluorescência indireta. Ele corresponde a um grupo de vários anticorpos e, por isso, são pouco específicos.

Em suma, o exame consiste no ato de banhar células humanas com o soro do paciente e avaliar a presença de anticorpos contra estruturas celulares. A leitura do resultado é feita por examinador humano sendo simplificada pelo uso de marcadores fluorescentes.

Após o “banho” inicial, o soro do paciente é diluído sequencialmente para avaliar indiretamente a avidez/quantidade de autoanticorpos, sendo que a diluição máxima que ainda gera fluorescência detectável é dada como o título do exame (1:40, 1:80, 1:160, 1:320 e, assim, sucessivamente).

A próxima etapa é a interpretação do padrão da fluorescência, na qual o examinador relaciona o “jeitão” da fluorescência com os padrões previamente descritos. A interpretação crítica deste padrão permite inferir quais estruturas celulares estão sendo alvejadas e sua implicação diagnóstica.

O FAN auxilia no diagnóstico de muitas doenças reumáticas e sim, é condição indispensável para o diagnóstico de LES, embora não seja a única. Atualmente, o FAN é uma condição preliminar para podermos pensar nesse diagnóstico. Então, por norma, quando o FAN for negativo, pensaremos em outro diagnóstico (até que se prove o oposto).

A Reumatologia é a arte de navegar em incertezas e operar meias-verdades

O FAN positivo, muitas vezes, já é suficiente para pensarmos em LES! Independentemente do padrão observado, ele é uma ferramenta que viabiliza diagnóstico e não necessariamente um divisor de águas no raciocínio clínico, ok?

E os padrões do FAN?

Atualmente, a interpretação do FAN é uma ciência em si, com congressos e consensos dedicados exclusivamente para os mais de 30 padrões clinicamente relevantes. Não falaremos deles aqui — afinal ficaríamos por horas a fio discutindo isso — mas, trarei alguns que são mais importantes, principalmente para as provas:

Os critérios diagnósticos do LES

Existem na atualidade três sistemas de critérios relevantes usados:

  • critérios do Colégio Americano de Reumatologia (ACR) de 1997;
  • critérios internacionais do SLICC (Systemic Lupus International Collaborating Clinics) de 2012;
  • critérios do ACR/EULAR (European League Against Rheumatism) de 2019.

A existência de três sistemas de critérios reflete a imperfeição deles. Nenhum critério consegue identificar 100% dos pacientes com lúpus com exatidão, visto que muitos pacientes abrem o quadro clínico com sintomas mais inespecíficos e vão progredindo para o quadro mais típico com o passar dos anos. 

Para facilitar o diagnóstico mais precoce, podemos notar a evolução desses critérios que reflete uma progressão histórica dos critérios altamente específicos da ACR de 1997 para um sistema de critérios mais sensível proposto pela SLICC em 2012.

Por fim, em 2019 os colégios americano (ACR) e europeu (EULAR) de Reumatologia se juntaram e propuseram novos critérios que possuem altíssima acurácia diagnóstica (sensibilidade de 96% e especificidade de 93%). E é esse que veremos aqui:

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO LES
SISTEMA RELACIONADO CRITÉRIO PONTUAÇÃO
CONSTITUCIONAIS FEBRE > 38,5°C 2




PELE E MUCOSAS
LÚPUS CUTÂNEO AGUDO (rash malar ou fotossensibilidade) 6
LÚPUS CUTÂNEO SUBAGUDO (eritema anular ou psoriasiforme) OU DISCOIDE 4
ÚLCERAS ORAIS 2
ALOPECIA 2

OSTEOARTICULAR
ARTRITE/ARTRALGIA (≥ 2 articulações com sinovite/ edema ou artralgia com rigidez matinal acima de 30 minutos) 6

SEROSITES
PERICARDITE AGUDA 6
DERRAME PLEURAL OU PERICÁRDICO 5


HEMATOLÓGICO
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE (Coombs direto +) 4
PLAQUETOPENIA (< 100000/mm³) 4
LEUCOPENIA (< 4000/mm³) 3


RENAL
NEFRITE LÚPICA CLASSE III OU IV 10
NEFRITE LÚPICA CLASSE II OU V 8
PROTEINÚRIA > 500 mg/24h 4


NEUROLÓGICO
CRISE CONVULSIVA 5
PSICOSE 3
DELIRIUM 2





IMUNOLÓGICO
ANTICORPOS ESPECÍFICOS: anti-DNAds E anti-Sm 6
CONSUMO DE COMPLEMENTO:
Queda de C3 E C4
Queda de C3 OU C4


4
3
ANTICORPOS ANTIFOSFOLÍPIDES (anticardiolipina, anticoagulante lúpico, anti-β2-glicoproteína-1) 2

Alguns pontos fundamentais:

  • o critério divide as manifestações do LES por sistemas e valoriza apenas as manifestações mais específicas da doença com direito a pontuações maiores para as mais específicas, dentre as específicas. Apenas uma manifestação de cada sistema pontua e a mais alta prevalece.
  • não é necessário que o paciente apresente as manifestações concomitantemente, valorizando as manifestações presentes no passado próximo.
  • a importância da entidade “LES renal isolado” é representada no potencial de ser firmar um diagnóstico apenas com FAN + biópsia renal com padrão específico de nefrite lúpica (apenas os padrões III e IV).  O corte diagnóstico se dá em 10 pontos (a biópsia renal sugestiva vale 10).

O tratamento do lúpus

  • Protetor solar (FPS > 30): como vimos, a radiação UV é causa suficiente para reativação da doença sistêmica. É indicado que o paciente utilize diariamente o filtro solar em todas as regiões não protegidas por vestes. Sugerem-se 3 aplicações diárias.
  • Contracepção efetiva para mulheres em idade fértil: o potencial da gestação complicar um caso de LES (e vice-versa) é notório e multifatorial uma vez que muitas drogas utilizadas são teratogênicas. A gestação tem o potencial de reativar a doença (ao promover alterações fisiológicas em um sistema imune patológico) e a associação com SAAF e o LES neonatal completam essa miríade de mecanismos para desfechos negativos. A gestação segura no LES é um trabalho multiprofissional e demanda planejamento e bom controle da doença.

Cloroquina

  • Cloroquina (difosfato e hidroxicloroquina): tem poderes quase sobrenaturais sobre a doença. Reduz exacerbações, risco trombótico, risco cardiovascular, hemoglobina glicosada em pacientes com DM2, controla quadros cutâneos e articulares.

Ela é a pedra angular do tratamento do LES e sem ela, tudo fica mais difícil. Ela é extremamente segura e o único cuidado obrigatório com os pacientes em uso crônico é acompanhamento oftalmológico anual (geralmente iniciado após 3-5 anos de uso) para detecção precoce de deposição retiniana que, caso ignorada, poderia culminar em maculopatia por cloroquina.

Modalidades de imunossupressão

A imunossupressão é empregada apenas frente a manifestações que a demanda, considerando que muitos pacientes nunca apresentarão a necessidade desta abordagem. Em contraste, algumas manifestações que não demandam imunossupressão geralmente podem tornar-se tão resistentes ou graves que essa estratégia deve ser utilizada.

  • quadros cutâneo-articulares: no geral, controle com cloroquina e curso de corticoide sistêmico em dose anti-inflamatória. Metotrexato para controle de quadros resistentes à primeira abordagem;
  • serosites: controle com AINES ou corticoide em dose anti-inflamatória;
  • quadros hematológicos:
    • Anemia de doença crônica: a abordagem aqui será a indução de remissão de doença.
    • Anemia hemolítica: corticoide em dose imunossupressora para casos leves/moderados e pulsos com corticoide em casos graves.
    • Trombocitopenia: corticoide em dose imunossupressora.
    • Leucopenia: sem demanda de tratamento.
  • nefrite lúpica:
    • Classe I – sem demanda de tratamento.
    • Classe II – sem demanda de tratamento.
    • Classes III e IV – imunossupressão com pulsos de ciclofosfamida + corticoide OU micofenolato. Após a indução de remissão é necessária a eleição de uma droga de manutenção. As opções são azatioprina e micofenolato (ele se presta a indução de remissão e manutenção).
    • Classe V – manejo de proteinúria. Corticoide em dose imunossupressora em casos graves.
    • Classe VI – manejo de DRC.
  • neuro-lúpus:
    • Sintomas de humor e cefaleia – manejo tradicional.
    • AVCi, vasculite de SNC, neuropatias periféricas, crises convulsivas, mielites – imunossupressão com pulsos de ciclofosfamida e corticoide sistêmico. 
  • acometimento cardíaco e pulmonar: raros a ponto de não haver consenso no tratamento, mas sugere-se imunossupressão agressiva e casos graves e delicados em casos leves.

Imunossupressão por pulsos

Consiste no uso de drogas citotóxicas em doses baixas com uma periodicidade que busca maximizar o potencial imunossupressor. Geralmente se dá com ciclofosfamida e doses linfotóxicas de metilprednisolona, em intervalos de 21-28 dias (meia vida de uma imunoglobulina circulante) e com duração de 6 meses (duas meias vidas de um linfócito).

É obrigatório o tratamento antiparasitário antes de imunossupressão com corticoide em doses altas, visando a prevenção da superinfecção por estrongiloides, situação ameaçadora à vida e facilmente evitável.

Ficamos por aqui sobre o tratamento do lúpus

Terminamos aqui nossa série de textos sobre lúpus eritematoso sistêmico. Lembrando que essa doença é um mundo a parte e que seria impossível esgotar todas as informações que temos a seu respeito em 4 textos apenas (visto que temos livros inteiros sobre o tema).

Dito isso, espero muito que tenhamos conseguido elencar os principais pontos de atenção e destaque do tratamento do lúpus que vocês utilizem esse material para aprendizado e consultas futuras.

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Um beijo, esperamos que tenham gostado e nos vemos em breve!

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LarissaMenezes

Larissa Menezes

Nascida em Franca/SP, em 92, formou-se em medicina pela PUC-Campinas, em 2018. Especialista em Clínica Médica pela UNICAMP e completamente apaixonada por essa área cheia de detalhes e interpretações. Filha de professora e de um ávido leitor, cresceu com muito amor pelo ensino também, unindo essa paixão à medicina.