Tratamento do prolapso genital e órgãos pélvicos: Saiba mais!

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O prolapso de órgão pélvico acomete cerca de 11% das mulheres até os 70 anos de idade e chega a apresentar uma prevalência de casos sintomáticos de 2,9 a 5,7%, quando consideramos toda a população feminina. Mas como é feito o tratamento de prolapso genital?

Antes de falar sobre como tratar o problema, é importante dizer que além de muito comum, o prolapso genital causa grande desconforto. Isso porque faz com que a mulher tenha a sensação de que está saindo uma “bola” pela vagina. Isso sem contar os sintomas de incontinência urinária, incontinência fecal, desconforto no ato sexual e alteração na imagem corporal. Saiba mais a seguir.

Anatomia

Estamos falando de uma condição que faz órgãos pélvicos herniarem para o canal vaginal numa condição anormal. Normalmente, há estruturas que previnem que isso ocorra, então, é importante entender essa estrutura básica, pois é ela que vai se alterar nessa patologia.

Um cirurgião chamado De Lancey descreveu três níveis de sustentação da pelve que ajudam a compreender os pontos que podem se alterar e ocasionar prolapsos. São eles:

  • nível 1: ligamentos uterinos cardinais e ligamentos uterossacros. Os cardinais ligam o colo do útero à linha arqueada do ílio, e os uterossacros ligam a porção posterior do istmo uterino ao sacro. Eles auxiliam a manter a sustentação do colo do útero e, consequentemente, da cúpula da vagina;
  • nível 2: os ligamentos paravaginais ao longo da vagina que ligam ela à fáscia superior do músculo levantador do ânus, e também os arcos tendíneos da pelve, que fazem a sustentação da porção média da vagina;
  • nível 3: o corpo perineal, a membrana perineal e os músculos superficiais e profundos do períneo.

Classificação

Vamos revisar, rapidamente, a classificação POP-Q, para entender em que lugar entra cada tratamento. Todos os pontos são em referência à carúncula himenal. Tudo acima do hímem é valor negativo, tudo abaixo do hímem é valor positivo. Confira abaixo:

  • CVT (Comprimento Vaginal Total): medido do fundo de saco até a carúncula himenal, em repouso. 

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  • Aa: ponto na parede anterior 3 cm acima do hímem (-3), medido à manobra de valsalva;
  • Ba: ponto de maior prolapso anterior. Colocamos um espéculo monovalvar para segurar a parede posterior e pedimos para a paciente fazer valsalva. Então, medimos a distância da “bola” prolapsada da parede anterior até o hímen;
  • C*: ponto de maior prolapso do colo uterino ou da cúpula vaginal, se a paciente não tiver útero. Colocamos um espéculo para segurar as paredes anterior e posterior, pedindo para a paciente fazer valsalva. Então, medimos a distância da borda anterior do colo do uterino até o hímen.

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  • Ap: ponto na parede posterior 3 cm acima do hímem (-3), medido à manobra de valsalva;
  • Bp: ponto de maior prolapso posterior. Colocamos um espéculo monovalvar para segurar a parede anterior e pedimos para a paciente fazer valsalva. Então, medimos a distância da “bola” prolapsada da parede posterior até o hímen;
  • D*: ponto de maior prolapso da junção do colo do útero com o fundo de saco. Colocamos um espéculo para segurar as paredes anterior e posterior e pedimos para a paciente fazer valsalva. Então, medimos a distância da junção do fundo de saco com o colo do uterino até o hímen.
Tratamento do prolapso de órgão pélvico: imagem 1
Imagem 1: Prolapso de parede anterior. (Fonte: Osama Warda -Slide Share) 

Estágios de prolapso

Os estágios de prolapso são definidos a partir do ponto mais prolapsado, sempre levando em consideração as carúnculas himenais como ponto zero de referência. Cheque a tabela abaixo, com a relação dos estágios de prolapsos.

EstágioDefinição
Estágio 0Não há prolapso. (Aa, Ba, Ap, Bp, C e D = -3) 
Estágio IPonto mais distal do prolapso está entre -3 e -1 
Estágio IIPonto mais distal do prolapso fica entre -1 e +1 
Estágio IIIPonto mais distal do prolapso fica a +1, porém 2 cm a menos do que o comprimento vaginal total.(>+1 porém menor que CVT-2)
Estágio IVPonto mais distal do prolapso igual ou maior que o comprimento vaginal total – 2cm.

Os pontos “D” e “C” também servem para avaliarmos se a paciente tem colo uterino alongado. Se D menos C for um 4 cm ou mais, a paciente possui colo uterino alongado.

Tratamento do prolapso de órgão pélvico

Aqui, vamos conversar sobre as opções de tratamento de prolapso genital que podemos oferecer às nossas pacientes. O tratamento é indicado para as pacientes com prolapsos sintomáticos, ou seja, queixas de desconforto vaginal, sintomas intestinais, urinários ou sexuais.

Se nossa paciente possui um prolapso pequeno diagnosticado de forma ocasional e sem sintomas associados, podemos fazer um manejo conservador e apenas observar.

Tratamento do prolapso genital com estrogênio

Ainda há pouca evidência de que o tratamento de prolapso genital com estrogênio promova melhora de sintomas ou do grau de prolapso. Apesar disso, a fisiopatologia do prolapso indica que a deficiência de estrogênio tem um papel na perda da elasticidade e aumento da complacência das estruturas de apoio da pelve.

Ademais, as pacientes com POP têm idade mais avançada e grande parte possui sintomas de deficiência de estrogênio, como atrofia vaginal. Então, nas pacientes com atrofia vaginal ou demais sintomas de climatério, não havendo contraindicações, vale a pena considerar o uso de estrogênio.

Exercícios de assoalho pélvico

A fisiopatologia do prolapso mostra que a fraqueza do assoalho pélvico tem um papel importante na origem da doença. Nesse contexto, os exercícios de assoalho pélvico (exercícios de Kegel) atuam fortalecendo essas estruturas.

Hoje em dia, já temos evidência de que essa linha de tratamento ajuda na melhora dos sintomas e, inclusive, pode diminuir o grau do prolapso. Além disso, é uma abordagem que não possui efeitos colaterais ou contraindicações. Desse modo, esses exercícios podem ser recomendados para todas pacientes com POP.

Tratamento do prolapso de órgão pélvico via pessário

O pessário é um dispositivo intravaginal que pode ser usado no tratamento de prolapso genital e incontinência urinária de esforço. É uma ótima opção terapêutica para pacientes sintomáticas e com prolapsos nível 1 e 2.

Além disso, o pessário para prolapso de bexiga ou outro órgão pélvico pode ser usado como medida temporária em pacientes que estão aguardando para realizar cirurgia e também como medida de suporte em pacientes que já realizaram cirurgia, tiveram recidiva e não tem desejo de realizar nova operação. As contraindicações são:

  • vaginite/vaginose atual e doença inflamatória pélvica atual;
  • falha de comprometimento com o follow-up: as pacientes devem ser acompanhadas pois podem desenvolver erosões/úlceras vaginais pelo uso de pessário;
  • não adaptação da paciente.

Tipos de pessário

Pessários de suporte: são a primeira linha de tratamento com pessários, fáceis de colocar e, geralmente, utilizados em estágios 1 e 2 de prolapso. O mais comum é o Pessário em anel (1), utilizado em prolapsos uterovaginais.

O Pessário de Gehrung (2) é usado em situação de defeito de parede anterior ou posterior e pode ser moldado para se adaptar ao formato da vagina. O Pessário de Hodge (3) utiliza o útero como ponto de apoio e protege a parede anterior de “desabamento”.

Imagem 2: (1) Pessário em anel; (2) Pessário Gehrung; (3) Pessário Hodge. (Fonte: wikicommoms.com)
Imagem 2: (1) Pessário em anel; (2) Pessário Gehrung; (3) Pessário Hodge. (Fonte: wikicommoms.com)

Pessários preenchedores de espaço: tendem a ser maiores e mais desconfortáveis e têm seu papel em prolapsos de nível mais avançado 3 ou 4. Sua utilização promove mais desconforto e não são tão fáceis de manusear.

O pessário cúbico (1) faz uso da sucção para se fixar e é utilizado em prolapsos uterovaginais. Como não tem orifício, não permite drenagem das secreções uterinas e deve ser trocado e lavado diariamente.

O pessário em Donut (2) utilizado em prolapsos uterovaginais avançados e alguns modelos são infláveis, o que promove uma facilidade para colocar e retirar. O pessário Gellhorn (3) é usado em prolapsos uterovaginais avançados, sua fixação ocorre em virtude de seu largo diâmetro.

Imagem 6: (1) Pessário cúbico; (2) Pessário em Donut; (3) Pessário Gellhorn. (Fonte: wikicommoms.com). Tratamento do prolapso de órgão pélvico
Imagem 6: (1) Pessário cúbico; (2) Pessário em Donut; (3) Pessário Gellhorn. (Fonte: wikicommoms.com)

Tratamento do prolapso de órgão pélvico via abordagem cirúrgica

O tratamento de prolapso genital cirúrgico é indicado para aquelas pacientes sintomáticas e refratárias ao tratamento clínico. Pode ser feito também naquelas com prolapsos de grau mais avançado, como 3 e 4.

Existem várias opções cirúrgicas: via vaginal ou abdominal, com ou sem uso de técnicas de enxertia. É importante lembrar que os defeitos de parede raramente são isolados. O defeito mais comum, que é o de parede anterior, geralmente está associado ao prolapso uterino ou a defeitos de parede posterior.

Além disso, hoje em dia, acredita-se que os defeitos não são da parede como um todo, mas de sítios específicos. Então, não adianta fazer a mesma cirurgia para todos com o defeito da mesma parede, certo? É necessário uma avaliação mais aprofundada para ver o local exato do defeito.

Os tratamentos cirúrgicos são controversos em pacientes que planejam futura gravidez pois, após o parto, pode ocorrer recidiva do prolapso. Aqui, vamos comentar as cirurgias mais comuns de cada parede.

Parede anterior

Os defeitos da parede anterior causam a queda da bexiga sobre a vagina, a chamada cistocele. Os defeitos da parede anterior podem ser na linha central, paravaginais, distais ou transversais. O principal defeito é na linha central e sua cirurgia de correção é a colporrafia anterior.

A cirurgia consiste na dissecção da mucosa vaginal até planos profundos de muscular e adventícia. Depois, a mucosa é esticada e utilizada para fechar a abertura feita, empurrando a herniação de volta para dentro.

Enfim, é realizada a sutura da mucosa junto com os planos mais profundos e o excesso de mucosa é retirado. Existem outras técnicas feitas por via abdominal e outras com uso de enxertia sintética.

Parede posterior

Os defeitos da parede posterior causam a protrusão do trato intestinal baixo sobre a vagina. Há chance de ocasionar retocele (mais comum), sigmoidocele ou enterocele. A enterocele também pode ocorrer em defeitos apicais.

Os defeitos da parede posterior são falhas na fáscia fibromuscular, que ficam abaixo da mucosa vaginal. Sua correção é feita através da colporrafia posterior e possui índices de 82 a 100% de sucesso.

A cirurgia consiste na dissecção da mucosa vaginal dos planos fibromusculares. Depois, o defeito é localizado e corrigido com sutura. Ao fim, a mucosa é fechada com sutura.

Nessa cirurgia, não é realizada de rotina a excisão do excesso de mucosa, pois a operação em si já causa estreitamento do canal vaginal, e a retirada dessa mucosa adicional pode gerar estenose do canal. Existem outras técnicas de correção com uso de enxertia e também técnicas por via retal.

Parede apical

Aqui, a estrutura prolapsada pode ser o colo uterino, o útero ou a cúpula vaginal. Novamente, é raro que o defeito aconteça isoladamente, então, as demais paredes devem ser avaliadas com cuidado.

Diferentemente das outras paredes, a via abdominal parece fornecer resultados superiores, com menor recidiva. Porém, há maior risco cirúrgico e maior morbidade operatória associada.

Tratamento do prolapso de órgão pélvico via sacrocolpopexia

A sacrocolopopexia é o principal procedimento para correção de prolapso uterino e, em caso de histerectomia prévia, correção de prolapso de cúpula vaginal. A cúpula é fixada com o auxílio de uma tela sintética no promontório, restaurando a sua sustentação.

Esse procedimento pode ser feito por laparotomia, por videocirurgia ou por cirurgia robótica, com menor tempo de internação associado aos dois últimos métodos. A técnica tem um índice de sucesso de 76 a 100%, com recidiva de apenas 4%.

Tratamento do prolapso de órgão pélvico via cirurgia obliterativa

A cirurgia obliterativa é um procedimento menos invasivo do que as técnicas de reconstrução. Ainda, tem índices de recidiva baixíssimos, menor morbidade perioperatória e melhora dos sintomas de prolapso pélvico comparável a técnicas reconstrutivas.

As técnicas obliterativas literalmente fecham o canal vaginal e impedem que a mulher possa futuramente ter relações sexuais e causa uma grande alteração da imagem corporal da mulher. Apesar de ser considerada pouco invasiva, em virtude do efeito psicológico, ela ainda pode ser considerada radical.

Dessa forma, as técnicas obliterativas entram como opção terapêutica para aquelas pacientes sintomáticas com idade muito avançada (mais de 70 anos) e sem vida sexual ativa.

Ainda, é importante lembrar também que não teremos mais acesso ao colo do útero ou ao útero por via vaginal, o que dificulta o diagnóstico de patologias uterinas. 

Por esse motivo, muitos cirurgiões recomendam a histerectomia de rotina associada a vaginectomia. Porém, essa combinação aumenta o tempo cirúrgico, a perda sanguínea intraoperatória e o risco de complicações no pós-operatório.

Complicações

As técnicas operatórias envolvem várias possíveis complicações diferentes, dentre elas:

  • sangramento intra operatório;
  • lesão de nervo ciático (sacrocolpopexia);
  • trauma de bexiga;
  • trauma de reto;
  • trauma de alça intestinal;
  • obstrução de trato urinário (colporrafia anterior);
  • hematoma pélvico;
  • complicações relacionadas à anestesia;
  • trombose venosa profunda em pós-operatório;
  • complicações relacionadas aos enxertos sintéticos; 
  • etc.

Além disso, uma complicação muito curiosa que pode ocorrer é o surgimento de incontinência urinária após a correção do defeito de parede.

Essa situação pode acontecer em 13 a 65% dos pacientes. Em função disso, muitos cirurgiões afirmam que sempre deve ser feita a colpopexia de burch associada à correção de parede apical ou anterior.

Porém, são necessários mais estudos para ajudar a esclarecer qual seria a melhor conduta nessas situações, tendo em vista que esse procedimento adiciona morbidade à cirurgia.

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FredericoTimm

Frederico Timm

Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!