Trombose por Astrazeneca no Brasil: o que se sabe sobre esta e outras vacinas

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Todas as vacinas autorizadas são seguras e eficazes. Ao falar sobre segurança, muitos se perguntam sobre os casos de trombose após algumas vacinas. Se elas são seguras, por que isso ocorre? Continue a leitura para saber mais informações sobre a trombose por Astrazeneca no Brasil e outros imunizantes.

Vacinas contra COVID-19 e trombose

Em abril de 2021, foram observados raros episódios de trombose associados à trombocitopenia (diminuição das plaquetas) em um pequeno número de indivíduos vacinados com a ChAdOx1 nCoV-19 (vacina Astrazeneca). Pouco tempo depois, também foram observados alguns casos em vacinados com a Ad26.COV2.S (vacina da Janssen).

As duas foram adequadamente aprovadas após a fase III de estudo. Essas vacinas têm em comum um vetor viral (adenovírus) como plataforma vacinal. 

Inclusive, foi assim que se identificou os tais casos de trombose por Astrazeneca no Brasil e em diversos locais do mundo, denominados VITT. Continue a leitura para saber mais sobre a condição e as principais características.

O que é VITT?

A VITT  (Trombocitopenia Trombótica Imune Induzida por Vacina) pertence ao grupo da trombocitopenia induzida por heparina (TIH), de que fazem parte:

  • a TIH clássica: que ocorre após uso de heparina;
  • a TIH autoimune: que ocorre vários dias após o uso da heparina;
  • a TIH espontânea: um tipo de autoimune, sem história prévia do uso de heparina.

A VITT assemelha-se à TIH espontânea (sem causa definida), porém a localização dos trombos é diferente entre essas entidades, por isso, foi incluída como um subtipo de TIH autoimune.

Possivelmente decorrente após a aplicação da vacina, a VITT é uma síndrome rara e ocorre um consumo de plaquetas (trombocitopenia), com formação de coágulos (trombótica), devido a uma resposta imune, induzida por vacina (Astrazeneca e Janssen).

Ou seja, após a vacinação, ocorre uma resposta imune da pessoa, por um mecanismo desconhecido, com anticorpos próprios, reconhecendo uma estrutura específica das plaquetas (denominado fator plaquetário 4). Em seguida, elas são ativadas, o que resulta em estimulação do sistema de coagulação e leva à trombose.

Os mecanismos pelos quais essas duas vacinas de vetor viral causam essa ativação plaquetária são desconhecidos, como dito anteriormente. Teorias preliminares dizem apontam para algum componente dos imunizantes contra o coronavírus.

Com essa reação antígeno-anticorpo e ativação do sistema de coagulação, formam-se os coágulos. A trombose decorrente da VITT ocorre tanto em locais típicos de tromboembolismo venoso, como pulmão e veias profundas da perna, quanto atípicos, como as veias esplâncnicas, adrenais, cerebrais e oftálmicas. Além disso, a trombose arterial pode ocorrer. Esse padrão de acometimento é uma característica que difere a VITT de outras causas de trombose.

O que se sabe sobre os casos de VITT?

A incidência de VITT causada pela vacina ainda é desconhecida. Os dados são relacionados a casos de eventos tromboembólicos associados à trombocitopenia após a vacinação (com Astrazeneca ou Janssen), provenientes de sistemas de coletas e monitoramentos de possíveis efeitos colaterais.

Importante destacar que eventos reportados nem sempre têm efeitos colaterais comprovados. Eles poderiam ocorrer de qualquer maneira, com a aplicação da vacina ou não, principalmente quando milhões de pessoas são vacinadas. Além disso, até o momento, não há evidência que sugira ligação entre a vacina e o tromboembolismo sem trombocitopenia.

Incidência de casos

A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA) reportou, até dezembro de 2021, 429 casos de eventos tromboembólicos associado a trombocitopenia após a vacinação com a Astrazeneca, com uma incidência de 15,4 casos por milhão de doses aplicadas.

A incidência de eventos após a segunda dose foi de 2 casos por milhão de doses. No Reino Unido, o número estimado de primeiras e segundas doses foi de, respectivamente, 24,9 e 24,1 milhões.

Ainda sobre a vacina contra COVID-19 e a trombose, os dados indicam uma taxa de incidência maior em adultos jovens após a primeira dose, quando comparados aos mais velhos: 21,2 por milhão de doses entre 18-49 anos e 11 por milhão de doses em maiores de 50 anos.

Em relação aos locais específicos de acometimento, a trombose do seio venoso cerebral (com trombocitopenia associada) foi o evento mais comum, relatado em 156 casos, com incidência estimada em 5,7 casos por milhão de doses.

Já o Centro de Controle de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, identificou 57 casos de eventos tromboembólicos associados à trombocitopenia, entre 16,9 milhões de doses da vacina Janssen, até dia 8 de dezembro de 2021, com uma incidência de 3,3 casos a cada milhão de doses aplicadas.

Como interpretar os dados?

Para demonstrar causalidade (ou seja, que a vacina realmente aumenta eventos tromboembólicos), seria necessário apresentar que vacinados têm maior incidência do evento em questão, quando comparados aos não vacinados. 

Contudo, isso não é possível, pois seria necessário um grupo controle não vacinado acompanhado por um período (algo que não ocorreria, por motivos éticos). Então, é difícil estabelecer nexo causal entre esses eventos e a vacinação com a Astrazeneca e Janssen.

Outro fator importante é quanto a dúvida sobre o motivo desses eventos não aparecerem nos estudos clínicos. Isso ocorre, pois, por serem efeitos adversos raros, seriam necessárias milhões de pessoas em cada grupo (intervenção e controle) para detectá-los.

Nenhuma medicação/vacina realiza ou já realizou estudos com esse número de pessoas. Por isso, a importância da fase IV (que ocorre após a aprovação para uso populacional) dos estudos clínicos. 

O fato disso estar sendo detectado agora não quer dizer que seja um efeito a longo prazo, mas algo tão raro que, até então, não havia sido identificado. Vamos relembrar que eventos reportados não são necessariamente efeitos colaterais, pois, independentemente da vacinação, eventos clínicos continuam a ocorrer. 

Casos de tromboembolismo

Muitos eventos continuarão a ocorrer, coexistindo com a vacinação, mas não sendo necessariamente causados por ela. Casos de tromboembolismo sempre ocorreram e sempre ocorrerão, independentemente da vacinação.

Vimos que, no caso da Astrazeneca, foi observada uma incidência de trombose de seio venoso de 5,7 casos por milhão de doses. Quando avaliada na população geral, a mesma condição apresenta uma incidência entre 5-15 casos por milhão de pessoas ao ano. 

Considerando que a vacinação já teve início há cerca de um ano, podemos ver que o número de casos de trombose de seio venoso está dentro da incidência anual estimada. Ou seja, parece não ter ocorrido um aumento na incidência de trombose por Astrazeneca no Brasil.

Ao mesmo tempo, podemos comparar o número de eventos tromboembólicos associados à trombocitopenia das outras vacinas. A MHRA recebeu notificações de 29 desses casos com o uso da Pfizer e 3 casos com a utilização da Moderna. 

Como a incidência da trombose após vacina é maior nos imunizantes de vetor viral, isso pode ser um indicativo de ligação entre as vacinas contra a COVID-19 e trombose.

Outras causas da trombose

Como dito anteriormente, se for confirmada essa causalidade da trombose por Astrazeneca no Brasil, ainda sim, é um fenômeno muito raro. Para efeito de comparação, podemos analisar as incidências de tromboembolismo venoso decorrente de outras causas (dos quais, muitas vezes, os pacientes não recebem orientações sobre):

  • contraceptivo hormonal oral: incidência geral de tromboembolismo venoso: 500-1.000 eventos por milhão de mulheres ao ano;
  • gestação: incidência geral de tromboembolismo venoso: 2.000 eventos por milhão de mulheres ao ano;
  • infecção por COVID-19 (incluindo hospitalizados e não hospitalizados): incidência de trombose de seio venoso cerebral: 1.115 eventos por milhão de casos ao ano;
  • incidência de trombose de veia porta: 10.220 eventos por milhão de casos ao ano.

Ou seja, há uma chance muito maior de ocorrer uma trombose de seio venoso cerebral em decorrência de um quadro de COVID-19 (1.115 eventos por milhão de casos) que em decorrência da vacinação (5,7 eventos por milhão de vacinados). 

Sem contar todas as outras possíveis complicações resultantes da infecção pela COVID-19, como quadro grave da doença, problemas neurológicos, fadiga crônica, alterações cognitivas, entre outros. Também não devemos desconsiderar a possibilidade de óbito.

A relação entre a vacinação e a trombose

A relação causal entre a vacinação com os imunizantes de vetor viral (como a Astrazeneca) é provável, apesar de ser difícil confirmá-la, tendo uma incidência reportada de 15,4 casos por milhão de doses aplicadas (ou 0,00154% de chance). 

Nesses casos, o local mais comum de formação de trombo é no seio venoso cerebral, com 5,7 casos por milhão de doses (ou 0,00057% de chance), que, entretanto, está dentro do esperado para quadros de trombose venosa cerebral na população geral (entre 5-15 casos por milhão de pessoas). 

Mesmo confirmada tal causalidade, o risco de desenvolver tromboembolismo pela COVID-19, especificamente no seio venoso cerebral, é cerca de 200 vezes maior do que pela vacinação, além dos demais problemas decorrentes da doença. 

Outras vacinas não apresentam possíveis relações com eventos trombóticos. Por isso, a vacinação continua indicada para todos os grupos autorizados, sendo segura, eficaz e importante tanto para o controle da pandemia, quanto para a proteção individual.

Aprofunde seus conhecimentos no assunto!

Entendeu tudo sobre trombose por Astrazeneca no Brasil? Para saber mais sobre o assunto, confira nosso artigo sobre como identificar trombose venosa profunda. Assim, você fica por dentro do assunto e pronto para mandar bem no seu plantão!

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RafaelCarvalho Almada Melo

Rafael Carvalho Almada Melo

Nascido em Teresina-PI em 1991. Formado pela Universidade de Brasília (UnB) em 2018, com residência em Medicina de Familia e Comunidade, concluída em 2021.