Provavelmente você já se deparou com um paciente com dor abdominal em fossa ilíaca direita, não é mesmo? A apendicite é uma das emergências cirúrgicas mais frequentes na prática médica, representando cerca de 7% de todas as internações hospitalares no Brasil.
Segundo estudo publicado no Lancet (2015), a apendicite afeta aproximadamente 100 casos por 100.000 pessoas-ano, com pico de incidência entre 10-19 anos. A evolução da doença pode ser dramática se não reconhecida precocemente, com taxa de perfuração variando de 17-20% em adultos e até 45% em crianças menores de 5 anos.
Este artigo oferece uma análise detalhada das fases da apendicite, desde sua origem até a perfuração, destacando os sintomas característicos de cada etapa e as abordagens terapêuticas correspondentes.
A apendicite resulta da obstrução do lúmen apendicular, geralmente por fecalitos (65% dos casos), hiperplasia linfóide ou parasitas. Esta obstrução leva ao aumento da pressão intraluminal, comprometimento vascular e proliferação bacteriana, culminando no processo inflamatório característico que pode evoluir até a perfuração se não tratado adequadamente.
Quando ocorre a obstrução apendicular, inicia-se uma cascata de eventos bem documentada na literatura. O aumento da pressão intraluminal (>30 mmHg) compromete inicialmente o retorno venoso, depois o fluxo arterial, levando à isquemia e necrose da parede apendicular em 24-36 horas.
A proliferação bacteriana, principalmente E. coli, Bacteroides e Peptostreptococcus, acelera o processo inflamatório. Estudos microbiológicos mostram que 85% das culturas apendiculares são polimicrobianas, explicando a necessidade de cobertura antibiótica ampla nos casos complicados.

A fase inicial apresenta sintomas inespecíficos que desafiam o diagnóstico precoce. A anorexia está presente em 84% dos casos, sendo mais específica que náuseas ou vômitos. Este sintoma é frequentemente subestimado, mas representa um dos sinais mais precoces e confiáveis.
A dor visceral inicial, localizada no epigástrio, decorre da inervação simpática do apêndice via nervos esplâncnicos (T10-T11). Por isso, inicialmente não há localização específica, o que pode confundir o diagnóstico com gastrite ou indigestão. Os sintomas associados incluem mal-estar geral, náuseas e eventual vômito. A febre geralmente está ausente ou é baixa (até 37,8°C).
Dados importantes: Estudos mostram que apenas 22% dos pacientes na fase inicial tinham dor localizada em fossa ilíaca direita, reforçando a importância da anamnese cuidadosa e da valorização da anorexia precoce como sinal cardinal.
Esta fase é caracterizada pela migração da dor para fossa ilíaca direita, descrita classicamente desde 1886 por Fitz. Meta-análise do BMJ (2016) demonstrou que a migração da dor tem sensibilidade de 64% e especificidade de 82% para apendicite.
A dor torna-se mais intensa, contínua e localizada no ponto de McBurney. Movimentos, tosse ou espirros exacerbam significativamente o desconforto. A febre eleva-se moderadamente (37,8-38,5°C) e pode aparecer leucocitose com desvio à esquerda.
O sinal de McBurney é dor à palpação no ponto de McBurney, localizado no terço médio de uma linha imaginária traçada da espinha ilíaca ântero-superior direita ao umbigo, sendo um sinal clássico de apendicite aguda.
O hemograma tipicamente mostra leucocitose (10.000-15.000/mm³) com neutrofilia e desvio à esquerda. A proteína C reativa >3mg/dL tem valor preditivo positivo de 85% quando associada aos achados clínicos. O exame de urina deve ser normal, ajudando a excluir infecção urinária. Em mulheres em idade fértil, sempre solicitar β-HCG para excluir gravidez ectópica.
O American College of Surgeons recomenda o Escore de Alvarado, que combina sintomas, sinais e laboratório, com acurácia de 81% para diagnóstico de apendicite. Pontuações de 7-10 indicam alta probabilidade, enquanto 1-4 pontos sugerem baixa probabilidade.
A ultrassonografia pode ser útil em casos duvidosos, especialmente em crianças e gestantes, mostrando apêndice espessado (>6mm), líquido livre e apendicolito. Tem sensibilidade de 86% e especificidade de 81%, sendo operador-dependente.
A tomografia computadorizada apresenta acurácia superior: sensibilidade de 94% e especificidade de 95% (European Radiology, 2019). O American College of Radiology recomenda TC em casos duvidosos ou suspeita de complicações. A ressonância magnética é reservada para gestantes quando a ultrassonografia é inconclusiva, evitando exposição à radiação.
O diagnóstico da apendicite baseia-se na combinação de história clínica, exame físico e, quando necessário, exames complementares. O reconhecimento dos sintomas característicos de cada fase é fundamental para um diagnóstico precoce e prevenção de complicações.
Na fase inicial, o diagnóstico é desafiador devido aos sintomas inespecíficos. A anorexia precoce (presente em 84% dos casos) é mais específica que náuseas ou vômitos e deve ser sempre valorizada. A ausência de dor localizada nesta fase não exclui o diagnóstico.
Na fase localizada, os sinais clínicos tornam-se mais evidentes:
Esta é a fase mais temida da apendicite, caracterizada por complicações graves que aumentam significativamente a morbimortalidade. Estudo multicêntrico europeu (Annals of Surgery, 2018) demonstrou que atraso >24 horas no diagnóstico aumenta em 5 vezes o risco de perfuração.
A perfuração representa a ruptura da parede apendicular necrótica. Paradoxalmente, pode haver alívio temporário da dor devido à descompressão do apêndice, mas logo surge dor mais intensa e difusa. Os sinais sistêmicos tornam-se proeminentes: febre alta (>38,5°C), taquicardia, desidratação e eventual choque séptico.
Quando a perfuração é contida pelo omento e alças intestinais, pode formar-se um abscesso localizado (2-6% dos casos). O paciente apresenta febre persistente, massa palpável na fossa ilíaca direita e leucocitose mantida. A peritonite generalizada é a complicação mais grave, resultante da disseminação da infecção por toda a cavidade peritoneal, caracterizando-se por abdome em tábua, febre alta, vômitos biliosos e sinais de choque séptico.
A ultrassonografia pode ser útil em casos duvidosos, especialmente em crianças e gestantes, mostrando apêndice espessado (>6mm), líquido livre e apendicolito. Tem sensibilidade de 86% e especificidade de 81%, sendo operador-dependente.
A tomografia computadorizada apresenta acurácia superior: sensibilidade de 94% e especificidade de 95% (European Radiology, 2019). O American College of Radiology recomenda TC em casos duvidosos ou suspeita de complicações. A ressonância magnética é reservada para gestantes quando a ultrassonografia é inconclusiva, evitando exposição à radiação.
O tratamento padrão é a apendicectomia, preferencialmente por via laparoscópica. Revisão sistemática (Cochrane, 2018) demonstrou superioridade da via laparoscópica: menor dor pós-operatória, redução de 50% na infecção de ferida e retorno precoce às atividades. A cirurgia deve ser realizada assim que possível após o diagnóstico, idealmente nas primeiras 12-24 horas.
Estudos recentes (NEJM, 2020) sugerem que antibioticoterapia isolada pode ser efetiva em casos selecionados, com sucesso em 72% dos pacientes em 1 ano. Entretanto, a cirurgia ainda é considerada tratamento de escolha pela maioria das diretrizes internacionais.
O manejo é mais complexo e individualizado. Para perfuração localizada com abscesso, pode ser tratada inicialmente com antibioticoterapia e drenagem percutânea, seguida de apendicectomia eletiva após 6-12 semanas (apendicectomia de intervalo). A peritonite generalizada requer apendicectomia imediata, lavagem exaustiva da cavidade peritoneal e antibioticoterapia prolongada.
| Situação | Primeira escolha | Alternativa |
| Casos simples | Cefazolina (dose única) | Clindamicina + gentamicina |
| Casos complicados | Piperacilina-tazobactam | Ertapenem ou ceftriaxona + metronidazol |
| Duração | Profilaxia: dose única | Tratamento: 4-7 dias |
O diagnóstico é mais desafiador devido à apresentação atípica e dificuldade de comunicação. A taxa de perfuração é maior (30-40%) pela demora no diagnóstico. Scores diagnósticos têm menor acurácia em menores de 5 anos, necessitando maior suspeição clínica e reavaliação frequente.
Os sintomas são frequentemente atenuados, levando a diagnóstico tardio. Apresentação atípica ocorre em 40% dos casos, com maior mortalidade (4,2% vs 0,1% em jovens). A presença de comorbidades complica tanto o diagnóstico quanto o tratamento.
A apendicite é mais comum no segundo trimestre. A apendicectomia laparoscópica é segura até 28 semanas, sem aumento de parto prematuro. O diagnóstico pode ser desafiador devido às mudações anatômicas e sobreposição de sintomas com os da gravidez.
| Fase | Tempo | Dor | Febre | Conduta |
| Inicial | 0-12h | Epigástrica difusa | Ausente/baixa | Observação, reavaliação |
| Localizada | 12-24h | FID localizada | Moderada | Apendicectomia laparoscópica |
| Complicada | >24-48h | Difusa intensa | Alta | Cirurgia urgente + ATB |
O reconhecimento precoce da apendicite é fundamental para prevenir a evolução para complicações graves como perfuração, abscesso e peritonite. Dados mostram que protocolos baseados em evidências reduzem complicações em 30%, destacando a importância de uma abordagem sistemática.
Estudo multicêntrico europeu (Annals of Surgery, 2018) demonstrou que atraso >24 horas no diagnóstico aumenta em 5 vezes o risco de perfuração. Cada hora de atraso no tratamento representa maior morbidade e potencial mortalidade, especialmente em populações vulneráveis como crianças e idosos.
O reconhecimento precoce da apendicite e sua adequada classificação por fases são fundamentais para o manejo otimizado. A análise detalhada desde a origem da obstrução apendicular até as possíveis complicações, como demonstrado neste artigo, permite uma abordagem terapêutica mais assertiva.
Lembre-se sempre: anorexia precoce, dor migratória e sinais de irritação peritoneal localizada são os pilares do diagnóstico. Quando em dúvida, reavalie frequentemente e não hesite em solicitar exames complementares ou interconsulta cirúrgica.
A apendicite continua sendo uma das principais causas de abdome agudo cirúrgico. Cada hora conta – evidências robustas demonstram que diagnóstico e tratamento precoces são determinantes para desfechos favoráveis nesta emergência tão prevalente em nossa prática diária.
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Nascido em 1993, em Maringá, se formou em Medicina pela UEM (Universidade Estadual de Maringá). Residência em Medicina de Emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein.