Você já deve ter ouvido falar sobre a cardiomiopatia hipertrófica. Em uma primeira impressão, a doença pode assustar pela complexidade, mas vamos te mostrar tudo sobre ela para te preparar para identificá-la e tratá-la nos pacientes. Confira a seguir!
A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença cardíaca primária, genética, autossômica dominante, de expressão fenotípica variável. Ela é caracterizada pela presença de hipertrofia ventricular esquerda concêntrica na ausência de qualquer outra doença cardíaca ou sistêmica que justifique o grau de hipertrofia.
Ela possui as seguintes características:
É uma das doenças genéticas mais comuns, afetando 0,2% da população geral e 0,5% dos portadores de cardiopatia. Além disso, é mais vista em brancos e do gênero masculino.
Podemos afirmar que a CMH é transmitida de forma genética autossômica dominante em até 60% das vezes. Os demais casos são formas esporádicas de etiologia pouco esclarecida.
São mais de 400 mutações identificadas, sendo que as principais são: gene da cadeia pesada da beta miosina 7 cardíaca (35-55% dos casos), gene da proteína C3 de ligação à miosina ( 20-25%) e gene da troponina T cardíaca (15% dos casos).
A fisiopatologia não é totalmente esclarecida, mas supõe-se que ocorram eventos moleculares desencadeados por mutações genéticas. Sendo assim, foram levantadas duas teorias:
As proteínas anômalas encontram-se em ambos ventrículos, porém em maior quantidade no VE, câmara de maior pressão. Por diversos mecanismos, favorece a atuação de fatores determinantes de crescimento miocárdico, como peptídeo natriurético atrial e cerebral, endotelina e sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Em resposta à atuação desses fatores, ocorre hipertrofia dos miócitos, proliferação de fibroblastos e consequente acúmulo de colágeno, além de alterações na microcirculação. Tudo isso resulta em um ventrículo rígido, com comprometimento da função sistólica e diastólica, apesar de uma fração de ejeção inicialmente preservada do VE.
Além disso, ocorrem outras alterações: obstrução da via de saída dinâmica do VE, regurgitação mitral, disfunção diastólica, isquemia miocárdica, arritmias e disfunção autonômica. A seguir, conheça cada uma delas!
Está presente em cerca de 75% dos casos e envolve 2 mecanismos: hipertrofia septal com estreitamento da via de saída e alterações anatômicas do aparelho mitral.
Tais mecanismos ocasionam movimentação anormal do folheto mitral durante a sístole, gerando regurgitação e aumento da pressão intracavitária, que estimula a hipertrofia da musculatura e causa isquemia miocárdica.
A carga ventricular e a contratilidade influenciam o gradiente pressórico, sendo variáveis diretamente proporcionais. A presença de um pico de gradiente da VSVE maior ou igual a 30 indica obstrução.
A alta pressão intracavitária, a contratilidade e o relaxamento irregular, associados a uma recaptação anormal de cálcio intracelular, ocasionam a disfunção diastólica. As alterações são secundárias a fibrose e mudanças anatômicas.
É secundária à OVSVE ou às anormalidades do folheto primário e contribui para o surgimento de sintomas, principalmente, a dispneia. A direção do jato da regurgitação define a forma do tratamento nos casos cirúrgicos.
Ocorre em decorrência do desbalanço entre a oferta e a demanda de oxigênio. Os principais fatores que geram esse desequilíbrio são a hipertrofia do miocárdio, a disfunção da microvasculatura com reserva de fluxo coronariano comprometida e a hipertrofia medial das arteríolas intramurais.
A isquemia miocárdica predispõe a formação de aneurismas do VE. Em decorrência disso, há o aumento do risco de arritmias e insuficiência cardíaca (IC).
Está relacionada a uma resposta inadequada da pressão arterial, da frequência cardíaca e da vasodilatação arterial ao esforço físico, fatores que podem levar a um pior prognóstico.
Agora que você viu a etiologia e a fisiopatologia, vamos detalhar os sintomas de cardiomiopatia hipertrófica. A suspeita inicia-se quando há a presença de histórico familiar (em pelo menos três gerações), sinais e sintomas de IC, que surgem durante esforço físico, evento cardíaco coronariano e alterações em exames complementares, como ECG.
Contudo, é assintomática na maioria dos pacientes. Por meio do exame físico é possível identificar pistas para prosseguir a investigação. Fique atento à presença de sopro de insuficiência mitral, pulso carotídeo em martelo d’água e quarta bulha.
Lembrando que você pode lançar mão de manobras provocativas, como a de Valsalva, por exemplo, para melhor avaliação. O eletrocardiograma pode dar dicas também. A partir dele, há chances de identificar sinais de hipertrofia do VE, distúrbios de repolarização e arritmias. Contudo, as alterações não se correlacionam de forma confiável com a gravidade do quadro.
Por outro lado, ele pode ser usado como teste de triagem em pessoas com histórico familiar, uma vez que tem a capacidade de mostrar alterações que antecedem a hipertrofia do VE.
A presença de arritmias, principalmente a fibrilação atrial e a taquicardia ventricular não sustentada, indica pior prognóstico e determina mudança tanto no seguimento quanto no tratamento dos pacientes. Após avaliação clínica, pode ser indicada a realização do holter.
O diagnóstico deve ser feito por meio de exames de imagem. O ecocardiograma e a ressonância magnética cardíaca mostram uma espessura da parede diastólica final máxima maior ou igual a 15 mm em qualquer lugar do VE, na ausência de outra causa de hipertrofia em adultos.
Em crianças, deve-se ajustar pelo tamanho e pelo crescimento corporal, considerando um escore Z maior ou igual a dois, na presença de história familiar, ou teste genético positivo (na ausência desses sinais, considerar escore maior ou igual a 2,5).
O padrão de distribuição de espessamento é variável, podendo ser limitado e focal. O local mais comum é o septo anterior basal em continuidade com a parede anterior livre.
Podem ocorrer outras alterações associadas, como a hipertrofia, o deslocamento apical dos músculos papilares, as criptas miocárdicas, a ponte miocárdica, a hipertrofia do VD e os folhetos alongados da valva mitral.
O ecocardiograma identifica as alterações fisiopatológicas. Entre elas, estão o grau da obstrução da via de saída do VE, as disfunções sistólicas e diastólicas, as possíveis áreas de isquemia e complicações (como o aneurisma do VE, por exemplo), a função da valva mitral e a estima da fração de ejeção.
A RMN cardíaca ajuda a identificar as diversas expressões fenotípicas da CMH, realiza predição de risco, interfere no planejamento pré-cirúrgico e avalia alterações estruturais cardíacas.
Além disso, pode detectar a disfunção diastólica pelo realce tardio com gadolínio (que representa a fibrose miocárdica), que também pode sugerir áreas de isquemia miocárdica. É um importante exame quando a história é sugestiva, mas o ecocardiograma é normal ou inconclusivo.
A tomografia cardíaca é outro exame que pode ser solicitado quando a RNM cardíaca se encontra indisponível ou contraindicada. Avaliar a estrutura cardíaca e a perfusão coronariana, porém tem menor sensibilidade quando comparada a RNM.
A cineangiocoronariografia é um exame de exceção na investigação da CMH. É indicada quando os testes não invasivos se mostram ineficazes ou com baixa acurácia para apontar alterações cardíacas que poderiam modificar o tratamento. Ainda é realizada ao optar por tratamento cirúrgico em pacientes portadores de diversos fatores de risco para DAC.
A triagem genética deve ser realizada em todo paciente que possui história familiar ou eventos suspeitos de CMH durante investigação de pelo menos três gerações. Ela é importante na confirmação diagnóstica e interfere no aconselhamento genético dos pacientes portadores.
Alguns pacientes podem apresentar genótipo positivo e fenótipo negativo, representando o estágio pré-clínico da CMH e relacionando-se com um seguimento mais rigoroso.
Quando associado à análise simultânea dos gases respiratórios (teste cardiopulmonar de exercício), o teste de esforço traz informações quanto à gravidade e ao mecanismo de limitação funcional. Ele é importante em pacientes com indicação de transplante cardíaco e assintomáticos, para avaliar se há obstrução da via de saída do VE.
O tratamento da cardiomiopatia hipertrófica pode ser feito de duas maneiras. A primeira delas é pelo uso de fármacos indicados após o diagnóstico e a realização de exames. Entre eles, estão:
Além disso, agentes vasodilatadores podem causar piora dos sintomas obstrutivos, portanto, deve-se considerar a suspensão dessas medicações. O uso do IECA não tem benefício bem estabelecido;
Outra forma de tratamento da cardiomiopatia hipertrófica é o método invasivo. Ele consiste na terapia de redução septal e está indicado nos seguintes casos:
Pacientes diagnosticados devem realizar seguimento conforme a presença ou não dos sintomas. Em pacientes assintomáticos, deve-se repetir o ecocardiograma a cada um ou dois anos, não existindo consenso a respeito do tempo de seguimento.
É importante realizar em pacientes com história familiar sugestiva e teste genético positivo, a despeito de estarem assintomáticos. Nos pacientes sintomáticos, o seguimento deve ser individualizado.
O prognóstico da CMH depende da presença de eventos adversos, tais como insuficiência cardíaca com sintomas limitantes, AVE, arritmia ventricular ou fibrilação atrial. A presença de um ou mais eventos adversos aumenta a mortalidade. Contudo, com o tratamento e o rastreio precoce dos marcadores de risco, a mortalidade cai e chega a ser menor que 1% ao ano.
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Meu nome é Hellen Sanches Pitaluga, tenho 26 anos e natural de Goiânia. Sou formada pela Universidade de Ribeirão Preto desde 2019 e atualmente faço residência de clínica médica no Complexo Hospitalar Prefeito Edivaldo Orsi da Rede Mário Gatti em Campinas, São Paulo. Amo clínica médica e sua diversidade, mas quando se trata da cardiologia o há um pouco mais de amor.