GINA 2024: o que mudou na nova edição?

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Fala, galera. Espero que estejam todos bem! Hoje vamos conversar sobre um tema importantíssimo: a asma e as novas atualizações do GINA 2024

Para quem não sabe, a asma é um problema de saúde seríssimo, que afeta aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, causando aproximadamente 1.000 mortes por dia. A maior parte delas ocorre em países subdesenvolvidos e poderiam ser prevenidas.


Muito conhecida no meio da prática clínica, A Iniciativa Global pela Asma, ou GINA (Global Initiative for Asthma),é uma associação que divulga conhecimentos sobre asma, a fim de promover o melhor o manejo da mesma e colaborar com sua prevenção.


Todos os anos um relatório é divulgado com informações e recomendações para o manejo dessa patologia, baseado nas mais novas evidências médicas. E nosso papo hoje é sobre a atualização de 2024.

Antes de falar sobre as principais mudanças, é interessante relembrarmos alguns conceitos teóricos sobre a asma. Veja só!

Primeiramente, o que é a asma?



Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, especialmente brônquios médios e pequenos (poupa

alvéolos), caracterizada por hiper-reatividade brônquica, excesso de produção de muco e espessamento/inflamação da parede dessas vias. 

E aqui temos um detalhe essencial: como doença de caráter inflamatório, todo esse processo é variável, ou seja, após exposições mais ou menos específicas, o paciente pode apresentar piora de sintomas, caracterizando as exacerbações, que são as chamadas crises de asma, além de manter um estado basal, que também é flutuante em intensidade de sintomas e de comprometimento obstrutivo de via aérea.


Esse comprometimento é dito obstrutivo porque com estímulos para contração da musculatura lisa peribrônquica, com o muco abundante e com as paredes mais espessas, as vias aéreas passam a ter muita resistência ao fluxo aéreo.

Como é feito o diagnóstico da asma?


Pessoal, aqui temos nossa primeira atualização do GINA 2024.

O fluxograma diagnóstico foi revisado. O diagnóstico da asma se baseia em critérios clínicos, através da avaliação dos sintomas como sibilância, falta de ar, aperto no peito e tosse. O diagnóstico é corroborado por exames laboratoriais. O mais conhecido e, ainda o mais confiável, é a espirometria. 

Tendo em vista, porém, que muitos países não possuem fácil acesso a esse exame, sendo a maioria desses países subdesenvolvidos (onde ocorrem as maiores taxas de mortalidade para asma), o GINA passou a considerar o Peak Flow como ferramenta diagnóstica na prova broncodilatadora, caso não seja possível realizar a espirometria.


A prova broncodilatadora mensura a resposta clínica das vias aéreas após o estímulo com medicações broncodilatadoras de curta duração, isso demonstra uma das principais características da asma, a reversibilidade.

Quando estamos falando de espirometria, algumas variáveis são avaliadas:

  • VEF1: velocidade de fluxo expirado no 1º segundo;
  • CVF: capacidade vital forçada (todo ar exalado de forma máxima, após inspiração também máxima);
  • VEF1/CVF (Índice de Tiffeneau): define se o distúrbio é obstrutivo, restritivo ou ambos.

Para confirmar a variabilidade na função respiratória, utilizamos os seguintes pontos de corte:

  • Em ≥ 12 anos: precisamos que VEF1 aumente em 12% E ≥ 200 mL;
  • De 6 a 12 anos: basta que VEF1 aumente em 12% OU ≥ 200 mL;
  • Em < 6 anos, o diagnóstico requer mais detalhamento, pois não fazemos espirometria nessas crianças.

O GINA 2024 manteve esses pontos de corte, até a liberação de novos estudos populacionais, mas reconheceu a existência do critério praticado pelo ATS/ERS 2020, que preconiza resposta broncodilatadora positiva quando VEF1 e/ou CVF > 10% do previsto. Além disso, reforçou uma maior confiança em resultados maiores que 15% e 400 mL.

Agora, quando falamos de Peak Flow, consideraremos a prova broncodilatadora positiva com um aumento do PFE maior ou igual a 20% após o uso do broncodilatador de curta duração.

Toda asma é igual? 

Bom, entendemos o que é a asma, como ela é diagnosticada, mas existe uma pergunta bem interessante: toda asma é igual? A resposta é não. Já são muito bem conhecidos alguns fenótipos da asma, são eles:

– Asma Alérgica;
– Asma Não Alérgica;
– Asma de Início Tardio (mais comum em adultos);
– Asma relacionada à Obesidade.

Na atualização do GINA 2024, foram trazidas maiores informações sobre o fenótipo que se apresenta apenas com tosse. Vamos falar um pouco sobre ele?


A tosse se apresenta como o único sintoma, fato que dificulta o diagnóstico diferencial com outras causas de tosse crônica. E pasmem, a espirometria e os testes de broncodilatação são normais. Mas o pulo do gato está aqui: a espirometria normal NÃO descarta asma. Qual ferramenta eu poderia utilizar, então, para diagnosticar esse fenótipo? O teste de broncoprovocação!


Nesse teste é realizada uma espirometria e após eu uso medidas broncoprovocadoras, entre elas, uso de metacolina, solução salina hipertônica, hiperventilação, manitol, exercício físico, é realizada uma nova espirometria, na qual eu espero piora dos parâmetros.

Em adultos: esperamos uma redução do VEF1 ≥ 20 % com a metacolina, ou ≥ 15% com hiperventilação, solução salina hipertônica ou manitol, ou > 10 E >200 ml após exercício físico. Em crianças: Redução do VEF1 > 12% do previsto (em relação ao basal) OU redução PFE > 15% (em relação ao basal com exercício).


A Asma tem cura? 


Não. É uma doença crônica, mas pode ter remissão e controle. A atualização de 2024 foi enfática nesse ponto! Devemos sempre discutir isso com os pacientes/responsáveis.

A remissão pode ser clínica ou completa, sendo a clínica a mais comum. A remissão clínica tem maiores chances de ocorrer quando há diminuição dos sibilos, da frequência das crises, melhora da função pulmonar e menor hiper responsividade.


Os fatores de pior prognóstico, com menores chances de remissão, são a atopia, pais asmáticos, sintomas de início tardio, sibilância sem IVAS e tabagismo passivo.


Como avaliar o controle da asma? 


São aplicados questionários validados de sintomas para cada faixa etária. Temos novidades nesse aspecto: o GINA 2024 reforça que a avaliação do controle deve ser limitada às últimas 4 semanas, mas ainda não existem ferramentas validadas para avaliar o controle sintomático por períodos maiores que esse.



E agora, finalmente, como é feito o tratamento? Tivemos muitas mudanças?


Tenham sempre em mente que uma das metas do GINA é um melhor desfecho individual a longo prazo para cada paciente, incluindo o controle sintomático e a minimização dos riscos de exacerbação, da perda de função pulmonar e dos efeitos adversos das medicações.

Há uma demanda dos profissionais de saúde para uma maior disponibilização de dispositivos inalatórios para determinadas medicações e com melhor discriminação das doses por faixa etária, que mostrem o número máximo de doses. Segundo o manual, esses dispositivos serão disponibilizados no futuro.

Medicações


No que diz respeito às medicações, é importante ressaltar alguns aspectos:

A associação de budesonida + formoterol ainda é a mais recomendada, quando comparada com a associação de beclometasona+ formoterol. As doses máximas devem ser as seguintes:

– Budesonida + formoterol- dose máxima total de formoterol 72 mcg (54 mcg por dose) em um dia para adultos e adolescentes;
– Beclometasona + formoterol 100/6 – a mesma dose máxima de formoterol é indicada, o que corresponde a 12 inalações dessa apresentação; Para 6-11 anos: 48 mcg doses metradas por dia (36 mcg de dose efetiva).

Lembrem-se de que a combinação de CI+ Formoterol com outros tipos de CI+ Laba não é recomendada, devido ao aumento de eventos adversos relatados.

A respeito dos Antagonistas de Receptores de Leucotrienos, foi reforçado no GINA 2024 o risco potencial de eventos adversos neuropsiquiátricos, como pesadelos, problemas de comportamento, ideação suicida.

Se necessário, o uso de altas doses se corticoide inalatório deve ser realizado a curto prazo 3-6 meses, devido aos riscos de efeitos adversos dessas medicações.

No que diz respeito ao uso de Antagonistas Muscarínicos de Longa Ação (LAMA), algumas análises em subgrupos sugerem uma redução de exacerbações graves com a tripla terapia (ICS+ LABA + LAMA), inicialmente nos grupos de pacientes que tiveram exacerbações no último ano.

Foi evidenciada boa resposta da asma grave em paciente do Fenótipo Th2 (eosinofílica) com o uso de imunobiológicos

Agora, finalmente, vamos abordar o tratamento e suas respectivas mudanças pontuais de acordo com a faixa etária.

Tratamento em adolescentes e adultos 


Não houve grandes mudanças desde 2023 no tratamento propriamente dito, mas além do reforço do uso de Corticoide Inalatório (CI) e Formoterol sob demanda nas Etapas I-II, foram alterados os critérios para o início do tratamento contínuo com CI+ formoterol de manutenção, ficando da seguinte maneira:

– GINA 2023: CI+ Formoterol sob demanda é indicado para os pacientes que apresentam sintomas < 4-5 dias/semana, já o tratamento de manutenção com CI+ formoterol em dose baixa e sob demanda para resgate é indicado para os pacientes que têm sintomas ≥ 4-5 dias/ semana OU acordam devido asma ≥ 1x na semana;


– GINA 2024: CI+ Formoterol sob demanda é indicado para os pacientes que apresentam sintomas ≤ 3-5 dias/semana com função pulmonar normal/discretamente reduzida, já o tratamento de manutenção com CI+ formoterol em dose baixa e sob demanda para resgate é indicado para os pacientes que têm sintomas ≥ 4-5 dias/ semana OU acordam devido asma ≥ 1x na semana, OU têm baixa função pulmonar.

A indicação de iniciar no IC+ formoterol em média dose de manutenção e sob demanda (Etapa 4) foi mantida – asma severamente não controlada, OU acordar devido asma ≥ 2x na semana E baixa função pulmonar, OU após exacerbação recente.

Agora, para fixar e aprender de vez, o esquema de escolha para maiores de 11 anos (≥ 12 anos e adultos):

Etapa I e II:  baixas doses de corticoide inalatório (CI) + formoterol (beta 2 agonista de longa duração – LABA) quando necessário;


Etapa III: CI dose baixa + formoterol diariamente;

Etapa IV: CI dose média + formoterol diariamente;

Etapa V: CI dose alta + formoterol diariamente / Associar Antimuscarínico de longa duração (LAMA) / Anti-IgE / Anti-IL5/5R / Anti-IL4R;

RESGATE: CI+ Formoterol.

Também temos o esquema alternativo para maiores de 11 anos (≥ 12 anos e adultos):

Etapa I:  corticoide inalatório (CI) toda vez que usar SABA;

Etapa II:  CI dose baixa diariamente;

Etapa III: CI dose baixa + LABA diariamente;

Etapa IV: CI dose média + LABA diariamente;

Etapa V: CI dose alta + LABA diariamente / Associar Antimuscarínico de longa duração (LAMA) / Anti-IgE / Anti-IL5/5R / Anti-IL4R;

RESGATE: SABA (beta-2 agonista de curta duração). Se por acaso for optado por essa condução, devemos nos certificar de que o paciente utiliza e é aderente às medicações diárias de controle! ou CI + SABA;

LABA: B2 Agonistas de longa duração (salmeterol, formoterol);


SABA: B2 Agonistas de curta duração ( salbutamol, fenoterol);


CI: Corticoide inalatório;

LAMA: Antimuscarínico de longa duração.

Agora, a terapêutica para as crianças de 6-11 anos:

Não houve grandes mudanças no tratamento propriamente dito. É reforçada a importância de se realizar o CI inalatório sempre que for administrado SABA e a sugestão de terapia MART e opção de resgate com CI+ formoterol a partir da etapa 3.

Para iniciar o tratamento, vamos considerar a presença de sintomas 1-2 vezes na semana. Agora para determinar em qual etapa começar, vamos considerar:

Etapa 1: Sintomas menos de 2 dias por semana;


Etapa 2: Sintomas 2- 5 dias por semana;


Etapa 3: Sintomas na maior parte dos dias, ou despertar noturno pela asma no mínimo 1x por semana;


Etapa 4: Sintomas na maior parte dos dias, despertar noturno uma ou mais vezes por semana E baixa função pulmonar.

Agora vamos visualizar o esquema preferencial de tratamento:

Etapa I: CI dose baixa quando usar SABA e podemos considerar também CI dose baixa diariamente;

Etapa II: CI dose baixa diariamente. Outra opção seria uso diário de antagonista do receptor de leucotrienos, ou baixas doses de CI quando usar SABA;

Etapa III: CI dose baixa + LABA ou dose média de CI + SABA por demanda, ou dose muito baixa de CI + formoterol de manutenção e também de resgate. Outra opção seria uso diário de CI dose baixa + antagonista do receptor de leucotrienos;

Etapa IV: preferencialmente usamos CI dose média + LABA OU dose baixa de CI + formoterol de manutenção e resgate. E nesse estágio é importante SEMPRE encaminhar para especialista! Outra opção seria adicionar tiotrópio ou antagonista do receptor de leucotrienos;

Etapa V: CI dose alta + LABA / Anti-IgE. Opção: acrescentar anti-IL5. Como último recurso, utilizar baixas doses de corticoide oral.

Menores de 6 anos


O diagnóstico é extremamente desafiador, tendo em vista que são frequentes as Infecções Respiratórias nessa faixa etária, que também cursam com sibilância e tosse. Além disso, é muito difícil mensurar as limitações de vias aéreas e a resposta broncodilatadora.


A alternativa é realizar uma abordagem baseada na probabilidade do diagnóstico de asma, através dos sintomas durante e entre as infecções de vias, priorizando um diagnóstico individual.

Os principais indícios de que que a criança deve ter asma são sintomas com duração maior que 10 dias, mais de 3 episódios por ano de sibilância, com piora noturna, sintomas persistentes após as infecções, com limitação das atividades diárias, sensibilização alérgica, dermatite atópica, alergia alimentar ou história familiar de asma.


As provas de função pulmonar são limitadas nessa faixa etária, mas a partir dos 5 anos, são passíveis de realização com a correta orientação.

Beleza, mas e o tratamento? Podemos nos acalmar, não houve mudanças no tratamento nessa atualização de 2024. Vamos recordar?

Nessa faixa etária, não usamos LABA e temos apenas 4 etapas. O Step 1 é atribuído àquelas crianças que têm sibilos predominantemente relacionados a infecções virais ou sintomas muito raros, não necessitando de terapia de manutenção.  Nos demais passos, já temos o CI como base do tratamento. A medicação de resgate aqui é apenas o SABA. O dispositivo de preferência para a aplicação da medicação é o inalador, associado ao espaçador. Nos menores de três anos utilizar a máscara orofacial, a partir de 3-5 anos, assim que possível retirar a máscara e utilizar o bocal do próprio espaçador.

Então em qual etapa começar?


Etapa I: sibilos relacionados a infecções ou sintomas infrequentes;


Etapa II: Sibilância ≥ 3 vezes ao ano ou sintomas claramente compatíveis;

Etapa III: Para quem tem diagnóstico estabelecido de asma e não consegue controle com os medicamentos da etapa II.


Vamos visualizar o tratamento:

Etapa I: SABA se necessário;


Etapa II: CI dose baixa diário:
– Sibilância ≥ 3 vezes ao ano ou sintomas claramente compatíveis;


Etapa III: CI dose baixa “dobrada”
– OBS: Essa dose baixa dobrada é menor do que uma dose moderada, então fique esperto, o GINA tem tabelas orientando sobre esse assunto e vale muito a pena consultar;


Etapa IV: Continue o tratamento de manutenção e encaminhe ao especialista.

Antes de progredir etapas, avaliar as 4 perguntas IMPORTANTÍSSIMAS:

Há adesão ao tratamento?
A técnica de uso de medicação está correta?
Há estímulos e agravantes no ambiente (poluição, poeira, mofo, colchas e bichos de pelúcia, tabagismo passivo ou ativo) ?
Há diagnósticos alternativos? Será que é asma mesmo? Não pode ser Refluxo? IC? DPOC?


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Sobre o GINA 2024 é isso, galera. Espero que esse conteúdo seja útil para todos vocês. Aproveite para ficar por dentro do nosso blog. Por aqui, trazemos as principais atualizações da área médica, além de conteúdos sobre os processos seletivos de residência médica.

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BrunaRibeiro de Oliveira Casaretti

Bruna Ribeiro de Oliveira Casaretti

Paulista e caiçara , nascida em 1991. Graduada em 2017 pela Universidade Federal do Ceará ( UFC) , com formação em pediatria pelo Hospital Municipal Dr Cármino Caricchio ( SUS SP) e Alergia e Imunologia pela Escola Paulista de Medicina ( UNIFESP). Bailarina, leitora fanática e mãe em tempo integral. Siga no Instagram @dra_bruoliveira