Indicação de oxigênio na emergência: saiba mais!

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Fala, pessoal! Tudo bem? Espero que estejam descansados, pois hoje vamos quebrar um grande mito do atendimento do paciente crítico. Trata-se da indicação de oxigênio na emergência.

Quem nunca foi ‘’cutucado’’ durante a avaliação de um paciente e ouviu ‘’a saturação tá 92%, vamos colocar um cateterzinho?”. Pois é, mas você pode estar colocando a pessoa em risco. 

Ficou curioso para saber quais seriam essas indicações? Então, vem comigo que a leitura desse artigo lhe trará subsídios para entender quando e em quem prescrever o uso do O2.

Oxigênio não é remédio

Oxigênio não está disponível ‘’de graça’’ dentro de um hospital e, mesmo se tivesse, seu uso não deveria ser indiscriminado.

Quando me refiro ao termo ‘’remédio’’, quero passar a mensagem que o uso do oxigênio suplementar não é algo inócuo/sem malefícios. A suplementação de oxigênio é uma das medidas de suporte que lançamos mão durante as medidas de ressuscitação do paciente crítico, particularmente, no paciente hipoxêmico.

Entendendo o mediquês
Hipoxemia  – baixa concentração de oxigênio no sangue.Hipóxia – desequilíbrio entre demanda/entrega de oxigênio aos tecidos. FIO2 – %  de oxigênio inspirada/ofertada – ex: no ar atmosférico a FiO2 = 21%PAO2 – Oxigênio dissolvido no sangue arterial, mensurado na gasometria arterial

Certo, então quem é o paciente hipoxêmico?

A hipoxemia pode ser classificada em 4 principais tipos:

  • Hipóxia hipoxêmica — causa mais comum de hipóxia, resultando da oxigenação insuficiente no sangue;
  • Hipóxico isquêmico — resultado de fluxo sanguíneo insuficiente para os tecidos;
  • Hipóxia anêmica — alterações na hemoglobina ou alteração no volume de oxigênio carreado pelas hemácias; 
  • Hipóxia citopática — devido alguma injúria do organismo as células não conseguem usar o oxigênio.

A hipóxia por mecanismos isquêmico, anêmico ou citopático responderam pouco ou quase nada a suplementação de oxigênio, e para melhorarmos a saturação de oxigênio desses paciente observadas precisaremos atacar a causa base, seja expandindo o paciente, repondo hemoconcentrado ou iniciando droga vasoativa por exemplo.

Já a hipóxia por hipoxemia pode ser destrinchada em subtipos associados, nas quais a maioria irá sim se beneficiar do uso de O2 suplementar.

Fração inspirada de oxigênio baixa

Nesse caso, há poucas moléculas de oxigênio chegando aos pulmões através da inspiração. Isso pode ocorrer devido a alterações atmosféricas (ex- subindo o Everest) ou estar em locais confinados na qual a FIO2 < 21%. 

Aqui vai bem o uso de oxigênio!!!

Desbalanço ventilação/perfusão

Aqui o problema é resultado de ventilação ineficiente associada a uma perfusão prejudicada na região de troca alveolar. Isso pode ocorrer em doenças obstrutivas como o DPOC ou processos em que o alvéolo pulmonar estaria ‘’preenchido’’ prejudicando essa troca, como ocorre na pneumonia, atelectasias ou edema pulmonar por exemplo. 

Aqui vai bem o uso de oxigênio!!!

Hipoventilação pulmonar

Devido a queda na ventilação pulmonar, poucas moléculas de oxigênio chegam ao alvéolo pulmonar, prejudicando assim a troca e resultando em hipoxemia. 

Essa situação pode ocorrer em situação na qual o ‘’drive respiratório’’ está prejudicado (como na intoxicação por opióides, durante uma sedação profunda), por fraqueza da musculatura respiratória (síndrome de guillain -barré) e obstruções do fluxo na via aérea (como na asma ou dpoc).

Aqui vai bem o uso de oxigênio!!!

Shunts

A circulação sanguínea pode sofrer shuts/desvios em seu trajeto, causando assim a não oxigenação desse sangue caso esse desvio seja o sangue pular do lado direito do coração para o esquerdo sem passar pelo pulmão.

Algumas causas para isso são alterações anatômicas como defeito de septo atrial, defeito de septo ventricular ou malformações arteriovenosas pulmonares; também pode ocorrer shunts fisiológicos, na qual o sangue passa pelo alvéolo sem ser oxigenado e pode ocorrer em pneumonias,atelectasias e SARA.

Aqui, a suplementação de oxigênio ajudará pouco.

Portanto, concluímos que uma boa hipótese diagnóstica irá nos guiar para saber qual é o paciente que irá realmente se beneficiar com aquele O2 que estou lhe ofertando.

Bom, já sei o melhor momento de indicação de oxigênio, mas quanto eu devo ofertar

Saber o alvo de saturação necessário para os pacientes é tão importante quanto responder a pergunta anterior. Particularmente com o paciente no departamento de emergência – o paciente crítico, as evidências atuais convergem para o alvo de sto2 ≤ 94%. 

Um ensaio clínico publicado no Jama ‘’Effect of conservative vs conventional oxygen therapy on mortality among patients in an intensive care unit: the Oxygen-ICU randomized clinical trial’’ concluiu que estratégias mais incisivas de controle de StO2 com alvos acima de 98 – 100% estariam associados a maiores incidência de bacteremia, insuficiência hepática aguda e choque. 

Apesar de ser um ensaio clínico, e mais evidência sobre o assunto precisa ser gerada, já serviu para nos alertar sobre os possíveis danos da nossa obstinação pela StO2 de 100% em todos pacientes.

O guideline da British Thoracic Society para o uso de oxigenioterapia no departamento de emergência tem como alvos para o paciente crítico de 94 -98% e para pacientes com DPOC de 88 a 92%. 

Para criarmos um norte e termos alguns alvos específicos dependendo de algumas comorbidades, temos:

  • maioria dos pacientes: 94 -98%;
  • DPOC: 88 – 92%;
  • pacientes com IAM: 90%;
  • paciente vítimas de AVC: 90%;
  • paciente pós-retorno à circulação espontânea: 92 – 98%.

Gostaram de saber mais sobre a indicação de oxigênio?

É, galera, a hiperóxia não é inofensiva e sempre devemos ter isso em mente antes de aumentar indiscriminadamente o tanto que estamos indicando de oxigênio ao nosso paciente.

Precisamos sempre ter em mente que devemos ofertar o mínimo de oxigênio (seja em fi02 ou L/min) necessário para o paciente capaz de atingir o alvo de saturação desejado. 

Se o meu paciente vem continuando a apresentar dificuldade para respirar, aumento do trabalho respiratório com uso da musculatura acessória, ou seja, está francamente dispneico e precisará de outras intervenções.

Dito isso, missão cumprida! agora sabemos um pouco mais sobre a indicação de O2 na emergência. Oxigenoterapia não cura dispneia!

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Referências

  1. Girardis, M et al. Effect of conservative vs conventional oxygen therapy on mortality among patients in an intensive care unit: the Oxygen-ICU randomized clinical trial. JAMA. 2016 Oct 18;316(15):1583-1589. PMID: 27706466
  1. Walls, Ron M., et al. Rosen’s Emergency Medicine: Concepts and Clinical Practice. Elsevier, 2018.
  2. British Thoracic Society

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LuizCésar

Luiz César

Nascido em 1990, em Cuiabá-MT, formado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2020. Experiência como oficial médico temporário no 37° Batalhão de infantaria leve. Residência em Medicina de Emergência na Universidade de São Paulo (USP - SP). Amante da adrenalina se interessa por resgate aeromédico, usg-point of care e medicina de áreas remotas.