Traumatismo cranioencefálico (TCE): como classificar, investigar e manejar

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Nem todo mundo que bate a cabeça merece tomografia computadorizada de crânio. Na prática, ocorre a indicação indiscriminada de exames de imagens para os pacientes. Nesse caso, é importante saber como classificar, quando investigar e como manejar um traumatismo cranioencefálico (TCE).

Desenvolvemos este artigo com o intuito de abordar a principal classificação dessa condição, os tipos de lesões e outras informações importantes. Continue a leitura!

Classificação da gravidade do traumatismo cranioencefálico

A abordagem inicial do TCE começa com o ABCDE (que nunca falha no trauma). A via aérea tem extrema importância nesse caso, visto que, a depender da injúria, o paciente perde a capacidade de mantê-la pérvia, sendo necessário proceder à intubação orotraqueal (IOT).

Como regra geral, ECG menor ou igual a 8 é indicação de IOT. Saturação de oxigênio inferior a 90% demonstra necessidade de suplementação. O importante é garantir a via aérea, por meio de dispositivo de bolsa-válvula-máscara, máscara laríngea ou qualquer outro. As indicações de IOT são:

  • ECG < 9;
  • incapacidade de proteção da via aérea;
  • incapacidade de manter SaO > 90% a despeito da suplementação adequada de oxigênio;
  • sinais clínicos de herniação cerebral. 

Outro ponto importante no manejo é evitar hipotensão, visto que, juntamente à hipóxia, são os dois fatores sistêmicos com maior associação a danos secundários após o TCE. O exame neurológico completo deve ser realizado assim que possível para determinar a gravidade do trauma, sendo de difícil avaliação em alguns casos devido à sedação iniciada.

A deterioração do quadro é comum nas horas iniciais após o trauma. Vítimas de traumatismo cranioencefálico devem ser transferidas a hospitais que possuam serviço de neurocirurgia. Confira a Escala de Coma de Glasgow:

Indicações de TC

O exame inicial consiste em TC de crânio sem contraste, capaz de detectar fraturas, hematomas intracranianos e edema cerebral. Em pacientes em que o exame não foi indicado inicialmente, mas apresentam deterioração do quadro, a TC deve ser realizada. Em casos de TCE leve, vale pedir TC de crânio quando:

  • ECG < 15 após 2h da injúria;
  • fratura de crânio aberta ou com afundamento;
  • sinais de fratura de base de crânio (sinal de Battle, hemotímpano, sinal do guaxinim, otorreia ou rinorreia de líquor);
  • 3 ou mais episódios de vômitos;
  • paciente com > 65 anos.
  • perda da consciência por mais de 5 minutos;
  • amnésia retrógrada por mais de 30 minutos do trauma;
  • mecanismo perigoso de trauma (ejeção do veículo, atropelamento, queda de altura superior a 5 degraus de uma escada ou de 0,9 metros).

Caso o paciente não se encaixe nesses critérios, mas apresente convulsão, sinais focais ou use anticoagulantes orais/tenha diátese hemorrágica, a TC de crânio também deve ser solicitada.

Se o paciente for assintomático e alerta, é possível observar por mais algumas horas e reexaminar. Se o exame permanecer normal, ele pode ter alta com orientações de sinais de alarme.

Apresentações da topografia da lesão cerebral

Após a avaliação neurológica, o traumatismo cranioencefálico é classificado, enquanto o exame de imagem é indicado ou não. 

Quando o tratamento é considerado cirúrgico, a indicação resume-se em três fatores: status neurológico, ECG e achados na TC de crânio. De acordo com o mecanismo do trauma, a topografia cerebral com lesão pode apresentar-se de diferentes maneiras.

Lesões cerebrais difusas

Essas lesões são produzidas por desaceleração súbita do sistema nervoso central. A concussão cerebral manifesta-se pela perda temporária da função neurológica, que tende a desaparecer de forma rápida. A mais comum é uma amnésia retrógrada. A forma leve é quando não há perda de consciência. A clássica tem perda temporária da consciência por período inferior a seis horas.

Lesão axonal difusa

Diagnóstico de anatomia patológica, a lesão axonal difusa manifesta-se com a presença de coma decorrente de TCE com duração de mais de seis horas. O tratamento é essencialmente clínico. Na maioria dos casos, a TC de crânio não é sugestiva, sendo importante para excluir lesões expansivas.

Lesões focais

Conhecido como hematoma epidural, geralmente, é decorrente de lesões dos ramos da artéria meníngea média que cruzam o osso temporal, sendo de instalação imediata.

Clinicamente, pode ocorrer o fenômeno do intervalo lúcido, com perda inicial da consciência devido à concussão, recuperação da consciência e posteriormente piora neurológica súbita. Na TC de crânio, observa-se lesão hiperdensa e biconvexa.

Hematoma subdural

É o mais frequente, sendo a causa mais comum de efeito de massa no TCE. Geralmente, é consequência de lesão de pequenas veias, com acúmulo progressivo de sangue no espaço subdural. Costuma ser unilateral. A localização mais comum é a região frontotemporoparietal.

Em caso de hipertensão intracraniana, pode se manifestar com a tríade de Cushing: hipotensão, hipertensão arterial, bradicardia e bradipneia. A TC de crânio evidencia uma “lua crescente”, com imagem hiperdensa acompanhando a convexidade cerebral.

Cirurgia

Os hematomas devem ser evacuados quando forem maiores que 10 mm de espessura ou associados a desvio de linha média > 5 m na TC de crânio independente da ECG.

Eles também devem ser evacuados se ECG < 9 ou se 2 ou mais pontos forem diminuídos, desde o momento da lesão até a admissão hospitalar, assim como apresentem alterações pupilares ou pressão intracraniana (PIC) constantemente acima de 20 mmHg.

Fratura craniana deprimida

Elevações e desbridamento são indicados para:

  • fraturas abertas com depressão maior que a espessura do crânio ou penetração dural;
  • hematoma intracraniano significativo;
  • envolvimento do seio frontal;
  • deformidade estética;
  • infecção de ferida;
  • contaminação;
  • pneumocefalia.

Como minimizar injúrias secundárias ao trauma

Os pacientes com TCE podem necessitar de manejo em terapia intensiva. Para minimizar injúrias secundárias ao trauma, tenha em mente:

  • fluidos isotônicos (SF) para manter euvolemia;
  • pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg para paciente entre 59-69 anos e maior ou igual a 110 para paciente de 15-49 anos ou maiores que 70 anos;
  • pressão de perfusão cerebral mantida entre 60-70 mmHg;
  • ventilação hipóxia deve ser evitada, com alvo de PO2 superior a 60 mmHg; evitar pCO2 menor que 30 mmHg;
  • anticonvulsivantes e eletroencefalograma (EEG);
  • profilaxia de tromboembolia venosa: iniciar profilaxia mecânica com compressão pneumática intermitente a admissão;
  • glicose mantida entre 140-180 mg/dL;
  • temperatura mantida em normotermia;
  • metas nutricionais no máximo em 5 a 7 dias da injúria.

Apesar do tema ser bem extenso, com muitas outras nuances, o básico é estabilizar o paciente, saber classificar e identificar o hematoma encontrado e as possíveis repercussões na tomografia computadorizada de crânio.

Há receio de mandar o paciente para casa sem investigar, mas, quando isso não é necessário, não vale postergar a permanência dele no setor de emergência por medo.

Saiba as indicações, faça um bom exame físico e assegure-se de orientar bem os sinais de alarme que indiquem retorno (cefaleia, declínio do estado mental ou aparecimento de déficit neurológico).

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Referências

  1. Craig Williamson, MD, MSVenkatakrishna Rajajee, MBBS. Traumatic brain injury: Epidemiology, classification, and pathophysiology. Disponível em: https://bit.ly/32oY7a6
  2. Author: Venkatakrishna Rajajee, MBBS. Management of acute moderate and severe traumatic brain injury. Disponível em: https://bit.ly/3FU6RDJ

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MatheusCarvalho Silva

Matheus Carvalho Silva

Matheus Carvalho Silva, nascido em 1993, em Coronel Fabriciano (MG), se formou em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Residência em Cirurgia Geral na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM).