Tudo o que você precisa saber sobre a tuberculose de acordo com o Ministério da Saúde

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A tuberculose é uma doença altamente prevalente, mas ainda “escondida” nos grupos de risco mais vulneráveis. Pessoas privadas de liberdade, população em situação de rua e imunossuprimidos estão mais suscetíveis à doença. 

Isso pode fazer com que nós, erroneamente, nos esqueçamos de pensar neste diagnóstico para a população em geral. Por isso, este texto vai te dar ferramentas para pensar no diagnóstico e saber iniciar o tratamento da forma correta

Pela extensão do assunto, falaremos aqui principalmente da forma pulmonar. Mas você pode checar outros textos nossos que vão abordar esse assunto, como a tuberculose ganglionar. Vem com a gente!

A tuberculose no Brasil e no mundo 

A tuberculose é uma das doenças mais antigas da humanidade, datada de 8 mil anos antes de Cristo. Estima-se que 1/3 da população mundial esteja infectada pelo M. tuberculosis, ocorrendo 8 milhões de casos novos por ano (95% em países subdesenvolvidos e 5% em desenvolvidos) e cerca de 3 milhões de mortes. O Brasil está entre os 30 países de alta carga para TB e TB-HIV considerados prioritários pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle da doença no mundo. 

O Brasil não possui uma epidemia generalizada, mas concentrada em algumas populações, como as pessoas vivendo com HIV, em situação de rua, privadas de liberdade, a população indígena e pessoas que vivem em aglomerados e em situação de pobreza e vulnerabilidade social. A tuberculose pode ser até 56 vezes mais frequente na população em situação de rua e 28 vezes maior na população vivendo com HIV e privada de liberdade. 

A tuberculose é causada por uma das sete espécies que integram o complexo Mycobacterium tuberculosis: M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedi e M. caprae. O que provavelmente você mais ouviu falar é o Mycobacterium tuberculosis – o bacilo de Koch (BK), mais comum e de maior importância em saúde pública.

Como já dito, ela é mais presente em grupos vulneráveis, pela sua forma de transmissão e susceptibilidade imunológica. Porém, não podemos nos esquecer de pensar neste diagnóstico em pessoas sem comorbidades, o que pode significar uma doença isolada ou até um novo diagnóstico de HIV.

O ciclo da doença 

A tuberculose é uma doença urbana e sua transmissão se dá através de um sujeito bacilífero que entra em contato com um sujeito susceptível

Durante o período de até três semanas, ocorre a proliferação/disseminação de bacilos. A partir de então, a pessoa tem um primeiro contato com o bacilo da tuberculose: primoinfecção. O contato geralmente acontece na infância. Nas primeiras três semanas da primoinfecção, não existe uma resposta imune contra a doença. Então, o bacilo pode circular por todos os tecidos. 

A partir da terceira até a oitava semana, surge uma imunidade contra o bacilo que inicia a contenção da replicação celular. Essa imunidade não é mediada por anticorpos, mas é do tipo celular. Ocorre a formação de um granuloma. Pelo fato do bacilo da tuberculose ser extremamente aeróbio, o oxigênio não chega nela. Ele deixa de receber oxigênio e para de se replicar.

O granuloma visível na radiografia de tórax é o chamado nódulo de Ghon. O normal é que o granuloma vai murchando até gerar um pontinho de calcificação. Dentro desse ponto de calcificação, há bacilo da tuberculose viável, não replicativo, mas com potencial. O granuloma caseoso deve ficar funcionando até o fim da vida, porque se o granuloma para de funcionar, o bacilo volta a se replicar. Esse controle da infecção acontece em 90% dos casos. A maioria das pessoas não fica doente por tuberculose, apesar de estar infectada. 

Em 10% dos casos, ocorre a doença. A tuberculose pode se dar na primeira infecção: Tb primária. A tuberculose pode se dar após a primeira infecção, por reativação do granuloma caseoso, com queda da imunidade: TB pós-primária.

Se houver uma reinfecção, ocorre um recrutamento das células do primeiro granuloma formado. Isso pode ocasionar uma TB pós primária, sem queda da imunidade necessariamente. 

Na tuberculose pulmonar primária, os sintomas são mais comuns na infância, que é quando ocorre o primeiro contato. Esta se manifesta como uma “pneumonia arrastada”.

A radiografia pode evidenciar uma adenopatia hilar unilateral. Essa característica é muito sugestiva, apesar de não ser necessária para o diagnóstico. 

Pode se complicar como TB miliar, ou seja, apresenta com micronódulos difusos no tórax. Embora a TB miliar seja representada pelos raios-x com pulmões com micronódulos, ela não é restrita aos pulmões. Além de se disseminar por todos os tecidos do corpo, ela causa doenças em todos os tecidos do corpo. É uma espécie de “sepse pelo bacilo de Koch”. Ocorre geralmente em pessoas com pouco sistema imune para combater o bacilo → menores de 2 anos, imunossuprimidos e não vacinados com BCG. 

Já a TB pós-primária acontece anos depois da primoinfecção. Então, é mais frequente em adolescentes e adultos jovens. Esta pode acontecer por uma reativação ou reinfecção.

Se o bacilo voltar a se replicar, a resposta imune é muito intensa. Ocorre então uma inflamação. A primeira coisa que aparece nos raios-X de tórax é o infiltrado. Muitas vezes, dentro de um granuloma pequeno, o bacilo se replica tanto que rompe o granuloma. A partir dessa ruptura, há uma liberação desse bacilo na via aérea. A partir desse momento, a tuberculose passa a ser bacilífera, eliminando o vírus através da tosse, da fala e do espirro, infectando outras pessoas. A TB pós-primária é a forma bacilífera da doença e se manifesta classicamente com cavitações. 

O diagnóstico de tuberculose

No adulto, observam-se sintomas respiratórios arrastados, com tosse por mais de 3 semanas, febre vespertina, sudorese noturna e perda ponderal. Você pode encontrar aqui um texto mais aprofundado sobre os sintomas dos outros tipos de tuberculose e aqui um texto sobre como fechar o diagnóstico da tuberculose.

Na população de alto risco – indígenas, população em situação de rua, população privada de liberdade –, o tempo da tosse não é levado em consideração, e sim apenas a presença dela. 

O diagnóstico se dá então pela clínica, exame de imagem e exame de escarro. A clínica, somada à radiografia sugestiva, já autoriza o tratamento na impossibilidade de se comprovar a suspeita por meio de exames laboratoriais bacteriológicos. 

O exame de escarro pode ser através de: 

  • Baciloscopia (BAAR): colher em pelo menos duas amostras, em dois momentos diferentes. Demora cerca de 24 horas. 
  • Cultura: indicada nos casos duvidosos, quando há resistência no tratamento/suspeita de falência no tratamento. A cultura ajuda no teste de sensibilidade do ATB, orientando quando há resistência ao tratamento. Demora de 30 a 40 dias para o resultado. 
  • Teste rápido: é o método de escolha (fica pronto em 2h/avalia resistência à rifampicina). O nome do teste é GeneXpert

A criança não escarra, então deve-se fazer lavagem gástrica. Caso esta seja muito difícil de se aplicar na prática, é feito um score de pontuação.

O tratamento de tuberculose segundo o Ministério da Saúde

Vamos agora entender qual o tratamento indicado de acordo com o Ministério da Saúde. No caso novo, o tratamento tem duração de 6 meses e é dividido em 2 fases: fase de ataque e fase de continuação.

Fase de ataque

  • Dura 2 meses. Elimina bacilos de crescimento lento.
  • Feito com rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol – as 4 drogas em um único comprimido. 
  • Esses comprimidos têm: 150 mg de rifampicina, 75 mg de isoniazida, 400 mg pirazinamida e 275 mg de etambutol.
  • A quantidade de comprimidos depende do peso do paciente.

Fase de continuação (ou manutenção)

  • Dura 4 meses.
  • Feita com 150 mg de rifampicina e 75 mg de isoniazida.
  • A quantidade de comprimidos varia conforme o peso do paciente, tal qual na fase de ataque.

A partir de 2009, foi instituído no Brasil a estratégia DOTS – Tratamento Diretamente Supervisionado de Curto Prazo. Então, é obrigatório que alguém observe o indivíduo ingerindo os comprimidos. Desde então, a mortalidade e a incidência caíram muito. O motivo dessa estratégia é porque, como podemos perceber, o tratamento é realizado com vários comprimidos por tempo prolongado. Assim, a aderência ao tratamento é um grande desafio.

É considerado falha terapêutica se:

  • Baciloscopia positiva ao final do tratamento;
  • BAAR que volta a ser positivo e se mantém positivo por 2 meses.

A pessoa que faz tratamento de TB deve fazer no mínimo uma baciloscopia por mês. O teste rápido não serve. Caso a investigação aponte intolerância à medicação ou falha terapêutica, o tratamento é mudado para esquemas alternativos.

Situações especiais de tuberculose

A gestante pode utilizar as mesmas medicações. Porém, a grávida tem predisposição de fazer deficiência de piridoxina. Então, deve-se associar a vitamina B6, beleza? 

A pessoa que convive com HIV e apresenta tuberculose deve ter a doença tratada primeiro e depois, iniciar a TARV (esperar de 2 a 8 semanas após). Isso porque a reativação do sistema imune pode gerar um quadro maior de inflamação. O paciente com HIV tem 35 vezes mais chances de morrer quando há infecção por tuberculose do que a população em geral.

As drogas do RIPE são drogas hepatotóxicas. Existem graus de hepatotoxicidade. Em determinadas situações, a hepatotoxicidade é tão intensa que é necessário suspender o tratamento:

  • Icterícia;
  • Elevação de transaminases > 3x com sintomas;
  • Elevação de transaminases > 5x o valor da normalidade se não houver sintomas.

Se o paciente melhorar após a suspensão de 30 dias da medicação, pode-se voltar a RE + I + P, com intervalo de introduções de 3 a 7 dias. Primeiro, reintroduz a RE, depois a isoniazida e depois a pirazinamida. 

Às vezes, a pessoa não melhora em 30 dias. Ou quando a medicação causa cirrose, não pode introduzir nenhuma das medicações. Nesse caso, pode fazer a introdução do esquema SEO (Estreptomicina + Etambutol + Ofloxacino) por 12 meses.

A tuberculose é um tema extremamente extenso e cheio de detalhes. O Ministério da Saúde tem um Manual de Recomendações com mais de 300 páginas, que aborda as demais formas de tuberculose extrapulmonares, resistência e alternativas de tratamento, além de coinfecção

Com o que abordamos neste conteúdo, você já é capaz de diagnosticar e tratar a tuberculose, mas se quiser saber algo mais específico sobre o assunto, você vai encontrar no manual! 

É isso!

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Aquele abraço e até a próxima.

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PollyannaCristine Dias Ferreira

Pollyanna Cristine Dias Ferreira

Mineira, nascida em Uberlândia em 1994, Formada pela Universidade Federal de Uberlândia em 2017, com residência em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (conclusão em 2019). Experiência em USBF na cidade de Uberlândia. Por uma prática médica responsável e de qualidade.