Pielonefrite: tudo que você precisa saber

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Fala pessoal! Hoje vamos trocar uma ideia sobre pielonefrite, uma das infecções mais prevalentes na prática clínica de médicos plantonistas — e que, além disso, é potencialmente fatal. Só nos EUA são registrados, anualmente, de 15 a 17 casos a cada 10.000 mulheres e 3 a 4 casos a cada 10.000 homens. Então, meu amigo, sabe aquele plantão de PS em uma cidade no interior de 4 mil habitantes que seu colega te passou prometendo que seria “bem tranquilo“? Também vão chegar casos de pielonefrite lá, viu?

Te convenci da importância de conhecer mais sobre esse tema? Então pode se preparar aí que ao fim desse texto você vai estar sabendo:

  • os principais fatores de risco para pielonefrite;
  • a conduta inicial frente a um caso suspeito;
  • quando solicitar exame de imagem
  • quando internar um paciente com pielonefrite; e
  • como escolher o antibiótico mais adequado.

Parece bom pra você? Então vem comigo pra gente destrinchar essa infecção que com certeza ainda vai chegar para você em um plantão de emergência!

Começando pelo começo: o que é a pielonefrite?

A pielonefrite é a infecção do parênquima renal causada por bactérias geralmente provenientes da flora fecal e a E. coli é a responsável pela maior parte dos casos (70–90% das pielonefrites não-complicadas).

Elas chegam aos rins de duas formas: após colonizar o meato uretral percorrem um longo trajeto até os rins (uretra -> bexiga -> ureteres -> rins) ou, ainda, via hematogênica.

Abre o olho! A segunda forma é relacionada a cocos gram-positivos (Ex: Staphylococcus aureus) e tem associação com endocardite e uso de drogas injetáveis.

Fatores de risco para pielonefrite

Pensa comigo, os fatores de risco para pielonefrite são condições que afetam as defesas naturais do organismo, então são situações que diminuem o fluxo urinário e facilitam a inoculação de bactérias.

Na gestação ocorrem alterações hormonais que diminuem o fluxo urinário, facilitando infecções urinárias! 

Já no caso de imunossuprimidos há diminuição da resposta imune facilitando a inoculação das bactérias, assim como: o uso de sonda vesical, atividade sexual e sexo feminino;

TC de gestante com pielonefrite aguda. Fonte: CTisus
Fatores de risco
Gestação
História prévia de ITU
Urolitíase
Refluxo vesico-ureteral
Bexiga neurogênica
Uso de sonda vertical
Imunodepressão
Diabetes miellitus
Mulher em idade reprodutiva

Quadro clínico

O quadro clássico é composto pela tríade febre, náuseas/vômitos e dor em ângulo costo-vertebral, mas pera lá: a doença não lê livro, né?

Sintomas urinários, como oligúria, disúria e colúria, podem ou não estar presentes. A dor lombar costuma ser intensa, em ângulo costo-vertebral, sem fatores de melhora e com piora à percussão local, e associada a vômitos. A febre costuma ser maior do que 39,5ºc, mas pode não estar presente.

Pacientes idosos e gestantes podem apresentar quadros atípicos, sendo assim olho vivo e faro fino com eles!

Em idosos o quadro pode já abrir com sepse, apresentando piora do estado geral, hipotensão e rebaixamento do nível de consciência, com ou sem febre! 

Sinal de Giordano, sintoma da pielonefrite
Sinal de Giordano

No exame físico deve ser pesquisado o sinal de Giordano que é dor à punho-percussão no ângulo costofrênico, mas calma lá! Antes de sair dando golpes de karatê lembre-se que boa parte dos pacientes apresenta dor a simples compressão da região com a ponta dos dedos!

Porém, caso essa manobra inicial seja negativa, faça a punho-percussão usando apenas força o suficiente para produzir uma vibração/abalo perceptível.

Antes de seguirmos falando sobre o assunto, sugiro dar uma olhada no nosso e-book gratuito sobre Sepse, que, além te ensinar a suspeitar e diagnosticar a sepse, também vai te ajudar a entender como realizar a propedêutica adequada e a tratar pacientes com sepse seguindo as guidelines mais atuais. Clique AQUI e baixe gratuitamente!

Será que é ou será que não é?

Ok, agora já sei qual paciente tem mais chance de ter e como ele vai se apresentar, mas E agora José, como eu fecho o diagnóstico?

O diagnóstico de pielonefrite é feito juntando a clínica com os exames de laboratório e, quando necessário, os exames de imagem.

Então vamos pedir esses exames!

  • Hemograma completo
  • Urina tipo 1
  • Urocultura com antibiograma
  • Creatinina
  • Dextro/HGT

Obs: O uso de fitas de Dipstick é útil e possui baixo custo, porém na prática não se vê muito! Elas podem detectar “Leucócitos Estearase (LE)” presentes em piúria e “Nitritos” que são produtos da atividade de Enterobactérias (Ex: E. coli)

Hemograma completo: O principal achado aqui é leucocitose com desvio à esquerda! 

Urina tipo 1: Piúria e bacteriúria são os principais achados

Urocultura com antibiograma: Essa queridona aqui nos ajuda demais! Um achado de 100.000 UFC confirma infecção urinária, associada ao quadro clínico fechamos o diagnóstico! E o antibiograma vai guiar nosso tratamento!

  • Creatinina: níveis aumentados indicam prejuízo da função renal! Abre o olho! Paciente possivelmente obstruído ou com risco de apresentar complicações!
  • Dextro/HGT: Muitas vezes o paciente não sabe que é diabético! 

Quando pedir tomografia?

Aqui o papel da imagem é investigar complicações da pielonefrite, então a indicação depende da suspeita e o nosso exame de escolha é a TC com contraste! 

A solicitação consciente do exame evita exposição desnecessária à radiação e ao contraste e diminui os custos relacionados ao atendimento.

Critérios:

  • Pacientes com sepse/ choque séptico
  • História prévia de urolitíase 
  • Diminuição aguda do volume urinário;
  • Diminuição aguda da função renal
  • Pielonefrite com sintomas persistentes após 72h de início do tratamento
Nefromegalia em rim direito associada a nefrograma heterogêneo multifocal em paciente com pielonefrite aguda clinica e laboral” Fonte: Original Articles

Pacientes com comorbidades importantes, com diagnóstico tardio ou com quadros mais graves podem apresentar complicações. São elas:

  • Sepse/Choque séptico
  • Injúria renal aguda
  • Necrose papilar
  • Abscesso perinefrético
  • Trombose de veia renal
  • Pielonefrite enfisematosa
Pielonefrite xantogranulomatosa.
Pielonefrite xantogranulomatosa.

Internar ou não internar, eis a questão

A decisão por internar ou não um paciente é um ato médico, assim como a decisão de onde internar um paciente. Essa decisão deve ser tomada de forma individualizada, levando em consideração o paciente de uma forma integral!  

“O paciente tem condições de autocuidado?”

“O paciente está estável ou instável?”

Ainda, existem fatores que aumentam o risco de complicações locais e sistêmicas e muitos desses justamente estão relacionados a necessidade de internação para tratamento! 

Fatores de risco para complicaçõesFatores não-relacionados a complicações
Alteração de função renalIncapacidade de manter hidratação por via oral
Instabilidade hemodinâmicaIncapacidade de manter autocuidado em casa (atentar a esse fator em pacientes moradores de rua, dependentes químicos ou etilistas)
GestaçãoPacientes idosos frágeis, com pouca capacidade de autocuidado ou com múltiplas comorbidades 
Obstrução por cálculos urináriosDesidratação que não pode ser prontamente corrigida na emergência
Imunossupressão (DM2; HIV; uso de corticoide em alta dose)Necessidade de analgesia de maior potência
Manipulação cirúrgica recente do trato urinário
Alterações anatômicas do trato urinário 

Como escolher o antibiótico mais adequado para a pielonefrite?

O tratamento antibiótico deve ser iniciado empiricamente logo depois da coleta do exame de urina e depois guiado pelo resultado do nosso querido Antibiograma! 

Lembre-se: o resultado do exame demora, então o início empírico do antibiótico evita o atraso no tratamento!

Nosso tratamento empírico depende de 3 fatores principais!

  1. Se o caso é ambulatorial, enfermaria ou UTI
  2. Flora local resistente ou risco de bactérias multirresistentes (Ex: Produtoras de beta-lactamase de espectro estendido; Produtoras de carbapenemase;)
  3. Alergias do paciente

Para pacientes ambulatoriais:

  • Ceftriaxona 1 g uma dose EV ou IM ainda no hospital, seguida de prescrição ambulatorial de Ciprofloxacino 500 mg 12/12h por 7 dias.

Obs:  Há evidência preliminar de que essa dose intra-hospitalar auxilia na resposta do paciente ao tratamento ambulatorial!

Para pacientes de enfermaria, sem risco para bactérias resistentes:

  • Ceftriaxona 1 g EV uma vez por dia pelo tempo de internação
  • OU Piperacilina + Tazobactam 3,375 g EV 6/6h pelo tempo de internação

Para pacientes de enfermaria, com risco para bactérias multirresistentes:

  • Piperacilina + Tazobactam 3,375 g EV 6/6h pelo tempo de internação 
  • OU Meropenem 1 g EV 8/8h pelo tempo de internação

Fatores de risco para bactérias multirresistentes:

  • Urocultura com gram negativo multirresistente
  • Paciente morador de lar de idosos ou com internações frequentes ou prolongadas
  • Uso prévio de fluoroquinolonas, bactrim ou beta-lactâmico de amplo espectro (ex: ceftriaxona)
  • Viagem para lugares com mundo com altos índices de agentes multirresistentes (Ex: Espanha, Israel, Índia e México)

Para pacientes com necessidade de cuidados intensivos (UTI):

  • Vancomicina 15 a 20 mg/KG EV 12/12h ASSOCIADA A Meropenem 1 g EV 8/8h pelo tempo de internação

Take home message:

  • Idosos e gestantes podem ter apresentações clínicas atípicas, então abre o olho com eles!
  • Não precisa tomografar todo mundo, mas precisa saber quando tomografar
  • Pielonefrite não é igual a internação, mas existem algumas indicações!
  • O antibiótico deve ser iniciado antes do resultado da urocultura
  • A urocultura com antibiograma é sua aliada tanto no diagnóstico quanto no tratamento 

É isso!

Agora você já sabe a conduta diante de um paciente com pielonefrite! Gostou desse conteúdo?

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FredericoTimm

Frederico Timm

Gaúcho. Médico formado pela UFPEL, residente de Ginecologia e Obstetrícia na UFMG. Tenho 2,04m de altura, sou cozinheiro cria da quarentena e tenho FOAMed na veia. Bora junto!