Vaginose bacteriana: tudo o que você precisa saber

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Fala, pessoal! A vaginose bacteriana é uma causa de corrimento vaginal muito importante, devido à sua alta incidência. Ela ocorre por conta de um desequilíbrio da flora vaginal fisiológica e replicação exacerbada de bactérias anaeróbias facultativas, principalmente a Gardnerella vaginalis

A maioria das pacientes se queixa de conteúdo vaginal fétido e amarelado após a relação sexual ou depois da menstruação. No entanto, a vaginose bacteriana também pode ser assintomática. O tratamento deve ser instituído sempre que a paciente apresentar sintomas e o diagnóstico for confirmado, ou em pacientes assintomáticas em algumas situações especiais que vamos abordar adiante.

Etiologia da vaginose bacteriana

A vaginose bacteriana ocorre quando há alteração da flora vaginal fisiológica, mais especificamente quando há diminuição na quantidade de Lactobacillus e aumento na proporção de bactérias facultativas anaeróbias. Existem variações entre as pacientes, porém as principais espécies de bactérias que causam vaginose são Gardnerella, Prevotella, Atopobium, Megasphaera, Leptotrichia, Bifidobacterium, Sneathia, Dialister, Ureaplasma, Mobiluncus e Mycoplasma. No entanto, a Gardnerella vaginalis é a bactéria mais prevalente nos quadros de vaginose bacteriana. 

Existem algumas condições que alteram o conteúdo vaginal e sua flora, cursando com disbiose, ou seja, mudança dos microrganismos comensais da vagina. Essas alterações estão mais relacionadas à ocorrência de vaginose bacteriana. As pacientes que apresentam redução de lactobacilos e maior pH vaginal possuem maior chance de apresentar vaginose bacteriana, sendo que essa condição pode acometer até 80% das pacientes com essas características do conteúdo vaginal.

A flora vaginal normal é constituída, principalmente, por lactobacilos de Döderlein, que protegem a vagina, pois produzem peróxido de hidrogênio e tornam o pH da vagina ácido. O pH vaginal baixo, ou seja, ácido, impede a replicação de agentes que, em excesso, podem causar a vaginose bacteriana, como a Gardnerella vaginalis. 

É importante salientar que a vaginose bacteriana não é caracterizada como uma infecção sexualmente transmissível, pois ela ocorre devido ao desequilíbrio da microbiota vaginal. No entanto, existem evidências de que ela pode estar relacionada com atividade sexual. 

Prevalência da vaginose bacteriana

A vaginose bacteriana é uma das principais causas de corrimento vaginal patológico nas pacientes em idade reprodutiva. Muitos autores concluem que ela é a patologia mais frequente que acomete o sistema reprodutivo inferior feminino na menacme. Ela pode ser responsável por até 50% dos quadros de corrimento vaginal, principalmente se ele possuir odor fétido. 

Além disso, ela possui alta prevalência, sendo que no mundo chega a acometer de 10 a 30% das mulheres em idade reprodutiva. No estado de São Paulo, entre 1998 e 2002, a prevalência foi de 15%. É importante salientar que cerca de 50% das pacientes com vaginose bacteriana podem ser assintomáticas.

Quadro clínico da vaginose bacteriana

Galera, essa patologia do trato genital inferior é caracterizada por corrimento acinzentado, branco ou amarelo com odor fétido, de volume variável. Os sintomas costumam se acentuar após a relação sexual ou após o período menstrual. 

O mau cheiro do corrimento é decorrente da volatização das aminas aromáticas, como cadaverina, putrescina e dimetilamina, que são resultados da atividade e metabolização das bactérias anaeróbias quando entram em contato com o meio alcalino do sangue da menstruação ou do sêmen. 

Na vaginose bacteriana, não é comum a ocorrência de irritação vulvar ou vaginal, pois classicamente é um quadro sem evidência de processo inflamatório e, por isso, é chamado de vaginose, não vaginite. Logo, não é comum que as pacientes se queixem de:

  • ardência;
  • dor;
  • edema;
  • prurido vulvar ou vaginal.

No exame físico ginecológico, quando realizamos o exame especular, podemos visualizar o corrimento vaginal:

  • de volume variável;
  • homogêneo;
  • de coloração cinza, esbranquiçada ou amarelada;
  • com odor característico. 

Diagnóstico da vaginose bacteriana

Existem dois critérios diagnósticos para confirmar a vaginose bacteriana: o de Amsel, que é o mais utilizado na prática, e o de Nugent, que é o padrão-ouro para essa patologia. 

O critério de Amsel requer pelo menos três dos quatro elementos constituintes: 

  • presença de corrimento acinzentado ou amarelado; 
  • pH vaginal mais alcalino que o habitual, com valor superior a 4,5; 
  • positividade do teste das aminas voláteis (“whiff test”); 
  • visualização das células guias (“clue cells”), células epiteliais superficiais envolvidas por cocobacilos com aspecto de “rendilhado”.
Confira uma imagem ilustrativa atrelada ao tema da vaginose bacteriana!
Imagem 1. Observem a imagem de um esfregaço de secreção vaginal corado por Gram em que se identificam as Clue cells – células epiteliais superficiais vaginais (gram negativas) cobertas por bactérias gram positivas. Disponível em: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/vaginal-discharge-gram-stained-microscopic-100x-2088053044

O escore de Nugent avalia alguns elementos da bacterioscopia do corrimento vaginal com a coloração de Gram. O resultado depende da avaliação do conteúdo vaginal e é revelado em escores: 

  • escore de 0 a 3: flora vaginal normal; 
  • escore de 4 a 6: flora vaginal com padrão intermediário; 
  • escore de 7 a 10: vaginose bacteriana. 

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Consequências da vaginose bacteriana

As bactérias que causam vaginose bacteriana modificam a imunidade local da mucosa vaginal, tornando-a imunossuprimida e mais suscetível à infecções por outros agentes. Portanto, pacientes com vaginose bacteriana possuem maior risco de adquirir outras infecções sexualmente transmissíveis como HIV e HPV.

Além disso, a vaginose bacteriana pode aumentar o risco de infecção após:

  • cirurgias ginecológicas;
  • endometrite puerperal;
  • infertilidade de causa tubária;
  • moléstia inflamatória pélvica;
  • neoplasias intracervicais. 

Nas gestantes, pode ocorrer:

  • aborto espontâneo;
  • rotura prematura das membranas ovulares;
  • trabalho de parto prematuro;
  • corioamnionite;
  • feto pequeno para idade gestacional. 

Portanto, é muito importante diagnosticar a vaginose bacteriana, orientar a paciente, prescrever tratamento correto e depois acompanhar a evolução da doença, principalmente nas gestantes. 

Tratamento da vaginose bacteriana

Galera, como vimos acima a vaginose bacteriana pode ter consequências negativas na vida das nossas pacientes. Assim, sempre que diagnosticarmos, temos que instituir o tratamento correto. O tratamento objetiva eliminar o corrimento vaginal patológico e estabelecer, novamente, a flora vaginal fisiológica, reduzindo a quantidade de bactérias anaeróbicas e aumentando os lactobacilos que produzem peróxido de hidrogênio. 

Os derivados imidazólicos são a primeira linha de tratamento e o Metronidazol é o antibiótico mais utilizado, pois possui ação eficaz contra os anaeróbios. 

As principais prescrições para o tratamento da vaginose bacteriana são:

  • Metronidazol 500 mg, via oral, duas vezes por dia, por sete dias;
  • Metronidazol gel vaginal 0,75%, utilizar 5g (um aplicador), via vaginal, ao deitar, por cinco a sete dias.

É importante lembrar que os imidazólicos podem ter como efeitos colaterais:

  • cefaleia;
  • sensação de gosto metálico;
  • tontura;
  • náuseas;
  • vômitos. 

Sempre devemos recomendar abstinência alcoólica durante o tratamento com Metronidazol para evitar o efeito antabuse. Também é bom orientar a paciente a, preferencialmente, não ter relação sexual durante o tratamento e utilizar preservativo se tiver. 

Como alternativa, em pacientes com hipersensibilidade ao Metronidazol ou em casos de recidivas, podemos prescrever também a Clindamicina, via oral ou vaginal. Não existe consenso no que diz respeito às orientações para tratamento de casos recidivantes de vaginose bacteriana, no entanto, podemos utilizar outra medicação, outra posologia ou até mesmo o mesmo regime anterior.

Nas pacientes gestantes também utilizamos o Metronidazol, pois ele não possui restrição de uso, principalmente no segundo e terceiro trimestre de gestação. A Clindamicina também pode ser utilizada na gravidez, pois é medicação categoria B, assim como o Metronidazol. 

Atenção: frente a uma descrição de Gardnerella vaginalis na citologia oncótica de rastreamento de rotina, NÃO devemos prescrever tratamento rotineiramente. Nesses casos, devemos tratar se a paciente estiver com quadro de vaginose bacteriana confirmado pelos critérios de Amsel ou escore de Nugent. Também devemos tratar se a paciente for gestante devido aos riscos da vaginose na gestação. Se a paciente for realizar algum tratamento cirúrgico ginecológico, ela também deve receber tratamento para evitar complicações infecciosas.

As pacientes devem ser acompanhadas após o tratamento para verificar se houve remissão completa do caso, pois muitas mulheres tratadas apresentam recorrência da vaginose bacteriana em até doze meses (até 80% das pacientes podem apresentar recorrência nesse período). O ideal é que a flora vaginal esteja reconstituída em, aproximadamente, um mês após o tratamento. Portanto, recomenda-se: 

  • avaliação dos sintomas;
  • avaliação do pH da vagina;
  • realização do teste das aminas;
  • avaliação da recolonização pelos lactobacilos, realizando a bacterioscopia.

Resumindo…

A vaginose bacteriana é a principal causa de corrimento patológico nas mulheres na idade reprodutiva. Ela é decorrente de um desbalanço da microbiota vaginal, quando há redução na proporção de lactobacilos e aumento na proporção de bactérias anaeróbicas.

Ela costuma causar corrimento vaginal com coloração esbranquiçada ou acinzentada, com mau cheiro, que ocorre devido à volatização das aminas no pH mais alcalino da vagina. No entanto, até metade das pacientes pode não apresentar sintomas.

O diagnóstico pode ser feito quando temos três dos quatro critérios de Amsel, que são: corrimento característico, pH vaginal mais alcalino, teste das aminas positivo e presença de Clue Cells na avaliação microscópica, ou pelo escore de Nugent, que atualmente é o padrão ouro.

Sempre devemos tratar as pacientes com vaginose bacteriana para evitar complicações que podem impactar negativamente na qualidade de vida delas. A medicação mais utilizada é o Metronidazol, que pode ser utilizado pela via oral ou vaginal. 

É isso!

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Referências

Vaginites e vaginoses.

Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: infecções que causam corrimento vaginal.

Perfil epidemiológico de mulheres com vaginose bacteriana, atendidas em um ambulatório de doenças sexualmente transmissíveis, em São Paulo, SP.

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MarinaNobrega Augusto

Marina Nobrega Augusto

Paulista, nascida em Ribeirão Preto em 1994. Formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) em 2019. Residência em Ginecologia e Obstetrícia na EPM-UNIFESP. "Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo." - Paulo Freire.