Tuberculose ainda afeta muitas pessoas no Brasil

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Fala, povo! Beleza? Chegou na emergência e achou um paciente com tosse há três semanas, já é medular para você? Pense em tuberculose. Vamos te mostrar como essa doença afeta muitas pessoas no Brasil. E vou logo avisando, esse texto é para guardar no bolso do jaleco! 

Estamos falando de algo que em 2020 tinha acometido cerca de 9,9 milhões de pessoas no mundo, responsável por 1,3 milhão de óbitos entre pessoas sem a infecção pelo HIV. Até 2019, a doença era a primeira causa de óbito por um único agente infeccioso, tendo sido, desde 2020, ultrapassada pela COVID-19.

É sobre isso que vamos falar aqui e esperamos que seja um guia de consulta rápida para você! Beleza?

Por definição, a tuberculose é uma doença infecciosa e transmissível, causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis também conhecida como o famoso bacilo de Koch, que geralmente afeta os pulmões, mas que também pode ocorrer em qualquer outro órgão do corpo ou em vários ao mesmo tempo. 

Já ouviu falar em tuberculose óssea? O tal do Mal de Pott? Outros locais possíveis para TB são pleura, gânglios, meninge, rins, bexiga, fígado, intestino, e por aí vai. 

Pasme: acredita-se que cerca de 25% da população mundial esteja infectada pelo bacilo na forma latente (ou seja, pessoas que ainda não desenvolveram a doença) ou ativa (pessoas adoecidas com TB). 

Com isso, sabemos também que algumas pessoas apresentam maior chance de desenvolver a tuberculose. São elas: imunossuprimidos, pessoas com baixo peso, idosos e tabagistas, além daqueles que tiveram contato recente com pessoas com tuberculose (principalmente nos primeiros dois anos após o contato). 

Um dado relevante que merece ser destacado é que a TB também sofre influência de determinantes sociais, sendo que renda, habitação, educação, estilo de vida e uso abusivo de álcool são alguns deles. 

Até aqui, o que podemos destacar? Estamos falando de uma doença transmissível, de alta carga no Brasil, mas que tem prevenção e cura! Nós, profissionais de saúde, TEMOS que conhecer e intervir. Combinado?

Vamos em frente, destacando alguns pontos em diagnóstico e tratamento!

Quando suspeitar?

Além da tosse (por duas ou três semanas a depender do perfil do paciente), podemos citar: febre vespertina, sudorese noturna, anorexia, astenia, emagrecimento, dor torácica, hemoptise e/ou escarro hemático. 

Paciente, 56 anos, diabético, apresentando tosse por duas semanas, sem um fator desencadeante claro. 

→ Diabético, devemos suspeitar de TB com tosse por duas semanas. 

Paciente 32 anos, hígido, teve contato com pessoa em tratamento inicial para tuberculose, e comparece à unidade referindo tosse há 6 dias.

→ Pessoa em contato com TB, deve ser investigado com qualquer tempo de tosse. 

Esses dois exemplos, são para demonstrar que, em paciente com tosse, devemos sempre lembrar da tuberculose e individualizar a conduta conforme o perfil daquela pessoa. 

Esses sintomas não são exclusivos de TB, por isso, alguns diagnósticos diferenciais são importantes de serem lembrados, como os casos de febre de origem indeterminada, síndrome consumptiva, pneumonias de resolução lenta, entre outros.

Transmissão da tuberculose

A tuberculose é transmitida por aerossóis, por via aérea. Por isso que, no hospital, esses pacientes ficam em áreas de isolamento. Certo? O termo “bacilífero” refere-se a pessoas com TB pulmonar ou laríngea, com baciloscopia positiva no escarro. 

Esses casos têm maior capacidade de transmissão, contudo, isso não exclui que pessoas com outros exames bacteriológicos positivos não possam transmitir. Combinado?

O risco de transmissão da TB existe enquanto o paciente eliminar bacilos no escarro. Com o início do tratamento, a transmissão tende a diminuir gradativamente e, em geral, após 15 dias, ela é muito reduzida. Por isso, identificar, diagnosticar e tratar em menor tempo possível é uma questão de saúde pública. 

Diagnóstico

Simples assim: BAAR! A pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente — BAAR — é um método simples e seguro, e que, em geral, deve ser realizado por todo laboratório público de saúde e pelos laboratórios privados tecnicamente habilitados. 

Pessoal, se adequadamente coletada e analisada, permite detectar de 60% a 80% dos casos de TB pulmonar em adultos. 

Quando formos solicitar, vamos pedir assim: BAAR em duas amostras. Uma amostra será coletada no primeiro contato com a pessoa que tosse e outra, independentemente do resultado da primeira, no dia seguinte, com a coleta do material feita preferencialmente ao despertar. 

O melhor escarro é aquele que vem de dentro mesmo, lá de dentro. Uma boa amostra de escarro é a que provém da árvore brônquica, obtida após esforço de tosse (expectoração espontânea), e não a que se obtém da faringe ou por aspiração de secreções nasais e nem tampouco a que contém somente saliva. 

Curiosidade, mas é bom saber: o volume ideal é de 5 a 10 ml. 

A baciloscopia de escarro é indicada nas seguintes condições: 

  • no sintomático respiratório, durante estratégia de busca ativa; 
  • em caso de suspeita clínica e/ou radiológica de TB pulmonar, independentemente do tempo de tosse; 
  • para acompanhamento e controle de cura em casos pulmonares com confirmação laboratorial. 

Em alguns municípios brasileiros, o teste rápido molecular para TB (TRM-TB, GeneXpert®) encontra-se disponível na rede pública e pode ser realizado, prioritariamente, para o diagnóstico da tuberculose pulmonar e laríngea em adultos e adolescentes. 

A cultura é um método de elevada especificidade e sensibilidade no diagnóstico da TB. Nos casos pulmonares com baciloscopia negativa, a cultura do escarro pode aumentar em até 30% o diagnóstico bacteriológico da doença. 

Já dentre os métodos de imagem, a radiografia do tórax é o de escolha na avaliação inicial e no acompanhamento da tuberculose pulmonar. Ela deve ser solicitada para todo paciente com suspeita clínica de TB pulmonar. 

A esse ponto, você já deve estar se perguntando do ADA e do PPD. Pois bem, em amostras clínicas (fluidos), a detecção da ADA — adenosina deaminase, enzima intracelular presente particularmente no linfócito ativado, pode auxiliar no diagnóstico da TB ativa. Não são todos os laboratórios que fazem, e outros fatores estão influenciados na interpretação deste exame. 

Em relação ao PPD, saiba que não há evidências para utilização da Prova tuberculínica como método auxiliar no diagnóstico de TB pulmonar ou extrapulmonar no adulto. Um PPD positivo não confirma o diagnóstico de TB ativa, assim como um PPD negativa não o exclui. Para que serve, então?

  • para identificar casos ILTB em adultos e crianças; 
  • para auxiliar no diagnóstico de TB ativa em crianças.

Similar ao IGRA, ok? IGRA — Interferon-Gamma Release Assays.

Para finalizar esse contexto de exames complementares, uma informação deve se tornar medular: todo paciente com diagnóstico de tuberculose deve ser testado para HIV.

Tratamento da tuberculose

Queridos, a TB é uma doença curável em praticamente todos os casos. Existem protocolos, fluxogramas, manuais, entre outras ferramentas para sistematizar o atendimento às pessoas com tuberculose. Mas destacamos algo fundamental que é orientar o paciente quanto ao diagnóstico e tratamento. 

Informações referentes aos medicamentos, consequências do uso irregular, eventos adversos, controle de contatos e duração do tratamento devem ser fornecidas desde o primeiro contato com o paciente e reforçados ao longo do caminho. 

O tratamento consiste em duas fases: ataque e manutenção. A fase de ataque (ou intensiva) tem o objetivo de reduzir a população bacilar e eliminar os bacilos com resistência natural a algum medicamento. Com isso, reduzimos também a chance de contágio, lembra?

No Brasil, o esquema básico para tratamento da TB em adultos e adolescentes é composto por quatro fármacos na fase intensiva (RHZE) e dois na fase de manutenção (RH). 

R – Rifampicina; H – isoniazida; Z – Pirazinamina; E – Etambutol 

Esse esquema básico é indicado para:

  • Casos novos de tuberculose ou retratamento (recidiva e reingresso após abandono que apresentem doença ativa) em adultos e adolescentes (≥ 10 anos de idade); 
  • Todas as apresentações clínicas (pulmonares e extrapulmonares), exceto a forma meningoencefálica e ostearticular. 

Vamos reproduzir aqui uma tabela muito didática e excelente para consulta, de um material de 2019 do Ministério da Saúde, chamado MANUAL DE RECOMENDAÇÕES PARA O CONTROLE DA TUBERCULOSE NO BRASIL.

Esquema Faixas de peso Unidade/dose Duração
RHZE
150/75/400/275 mg (comprimidos em doses fixas combinadas)
20 a 35 kg 2 comprimidos 2 meses (fase intensiva)
36 a 50 kg 3 comprimidos
51 a 70 kg 4 comprimidos
Acima de 70 kg 5 comprimidos
RH
300/150 mg¹ ou 150/75 mg (comprimidos em doses fixas cominadas)
20 a 35 kg 1 comp 300/150 mg ou 2 comp 150/75 mg 4 meses (fase de manutenção)
36 a 50 kg 1 comp 300/150 mg * 1 comp de 150/75 mg ou 3 comp 150/75 mg
51 a 70 kg 2 comp 300/150 mg ou 4 comp 150/75 mg
Acima de 70 kg 2 comp 300/150 mg * 1 comp de 150/75 mg ou 5 comp de 150/70 mg

Fonte: (RATIONAL PHARMACEUTICAL MANAGEMENT PLUS, 2005; WHO 2003). Adaptado de BRASIL, 2011.

Em todos os esquemas de tratamento, os medicamentos deverão ser ingeridos diariamente e de uma única vez. 

Como você pode imaginar, existem muitas, e muitas particularidades sobre o tratamento conforme o perfil do paciente — gestante, hepatopata, se há co-infecção pelo HIV, e etc e também, quanto ao tipo de tuberculose — pulmonar ou extrapulmonar. Vale muito a pena checar. Não precisamos saber de cabeça todos os esquemas possíveis! 

E quanto ao TDO? 

Aquele Tratamento Diretamente Observado. Será considerado TDO se a observação da tomada ocorrer no mínimo três vezes por semana durante todo tratamento (24 doses na fase intensiva e 48 doses na fase de manutenção em casos de tratamento padronizado por seis meses). 

O TDO pode ser realizado por todos os pacientes com TB, e deve ser ofertado a todos, isso é uma medida de apoio e também monitoramento do tratamento

Esses pacientes em tratamento devem ser vistos mensalmente. Você viu que a dose do medicamento dependente do peso, não é? Pois bem, esse é um dos parâmetros que precisamos acompanhar nas consultas mensais. 

Além disso, queixas, sinais e sintomas que indicam a evolução e/ou regressão da doença após o início do tratamento, a ocorrência de reações adversas para o adequado manejo, exames laboratoriais e por aí vai. 

Algo muito importante a ser realizado também mensalmente é o controle bacteriológico, para o monitoramento da efetividade do tratamento. Espera-se a negativação da baciloscopia a partir do final da segunda semana de tratamento. Mas respire! Alguns pacientes podem persistir com baciloscopia positiva sem que isso signifique falha terapêutica. 

Pacientes com baciloscopia positiva ao longo do tratamento ou que positivam após negativação devem ser avaliados quanto à adesão, falência e/ou resistência. Quando a baciloscopia for positiva ao final do segundo mês do tratamento, deve-se solicitar cultura para micobactéria com teste de sensibilidade. Fica a dica!

O controle radiológico pode ser realizado após o segundo mês de tratamento, para acompanhar a regressão ou ampliação das lesões iniciais, especialmente nos casos pulmonares com exames bacteriológicos negativos e na ausência de expectoração para controle bacteriológico. 

Prevenção da tuberculose

A vacina BCG é indicada para crianças de até cinco anos e previne as formas mais graves da doença (tuberculose miliar e meníngea). Atente-se que a BCG não protege contra a tuberculose pulmonar. 

Além disso, outra forma de prevenir a TB é identificar os sintomáticos respiratórios, investigar e tratar, ou seja, quebrar a cadeia de transmissão. Nesse sentido, vale lembrar a identificação e controle dos contatos. 

Medidas ambientais como espaços arejados, sala de espera nos serviços de saúde amplas e melhores ventiladas, espaço adequado para coleta de escarro, uso de máscara (N95 para profissionais de saúde), entre outras medidas.  

Nós ficamos por aqui!

Pessoal, esperamos que tenha chegado até aqui, e que agora, salve esse texto para consultas futuras! Tuberculose é um terreno muitíssimo vasto e merece nossa atenção. Dá uma olhada nas referências, combinado?

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Até a próxima!

Referências

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tudo que você precisa saber sobre a tuberculose: Álbum Seriado da TB. Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/t/tuberculose/publicacoes/tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-a-tuberculose-album-seriado-da-tb.pdf/view. Acesso em: 30 abr. 2023.

MINISTÉRIO DA SÁUDE. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Ministério da Saúde, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/tuberculose/manual-de-recomendacoes-e-controle-da-ttuberculose-no-brasil-2a-ed.pdf. Acesso em: 30 abr. 2023.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Recomendações para o Diagnóstico Laboratorial de Tuberculose e Micobactérias não Tuberculosas de Interesse em Saúde Pública no Brasil. Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/tuberculose/manual-de-recomendacoes-e-para-diagnostico-laboratorial-de-tuberculose-e-micobacterias-nao-tuberculosas-de-interesse-em-saude-publica-no-brasil.pdf. Acesso em: 30 abr. 2023.

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